Muitas pessoas passam a vida
sonhando com o dia da aposentadoria, quando ficarão livres de todo e qualquer
compromisso, para “curtir” a vida. Este modelo pode ser simbolizado por uma confortável
cadeira de balanço, num sobrado com varanda. Afinal, aposentar-se tem o sentido
linguístico de recolher-se aos aposentos. Mas, será realmente assim?
A
aposentadoria é uma invenção cultural do nosso século, tendo surgido, na década
de 50, a partir da criação das Caixas de Pecúlio, criadas pelas diversas
categorias profissionais, que, mais tarde, foram transformadas em institutos e,
depois, no INSS. De início, com a arrecadação destinada unicamente aos
pagamentos de aposentadorias e, posteriormente estendida também à área de
assistência médica (o que seria função do Ministério da Saúde), o Instituto
Nacional de Previdência Social teve seus cofres arrombados pela corrupção
amplamente divulgada nos noticiários nacionais e internacionais. Cada vez mais
“achatada” pela falta de atualização monetária, o valor das aposentadorias perdeu
seu poder aquisitivo e, hoje, mal dá para a subsistência dos aposentados,
mostrando-se como um sistema falido. Mas, do ponto de vista psicológico, o que
significa aposentar-se? Como isto ocorre, na prática, dentro deste contexto
político e econômico?
Atuando
diretamente junto a esta faixa etária da população, observo que a aposentadoria
é um processo extremamente complexo, podendo ocorrer em várias etapas.
Durante
a vida produtiva, a aposentadoria afigura-se, num horizonte longínquo, como
promessa de laser remunerado. Com a chegada da maturidade e as inúmeras
experiências que fazem parte da vida, a aposentadoria começa a tornar-se motivo
de preocupação: Incerteza em relação ao futuro, pensamentos perturbadores sobre
velhice, limitações físicas, desmotivação para recomeçar, sentimentos de perda,
rejeição, inutilidade... O que fazer depois de aposentado? Como escolher outra
atividade? Este é o quadro da aposentadoria, numa época em que a longevidade já
pode ser vista como uma condição conquistada pela ciência. Então, o que fazer,
para que a aposentadoria se torne uma etapa produtiva e gratificante?
Em
primeiro lugar, é preciso rever os conceitos associados à velhice. Quanto mais
as pessoas acreditarem que é possível ser idoso e saudável, mais a terceira
idade poderá tornar-se positiva. Se no decorrer da vida, o indivíduo
desenvolver hábitos de exercício físico, lazer, projetos de vida, alimentação
balanceada e sentimentos de utilidade, com certeza estará criando condições
adequadas para chegar, com saúde, à terceira idade. Se por um lado, a velhice
pode trazer algumas restrições, com certeza traz também uma sabedoria de vida,
pouco comum em outras idades e, de qualquer modo, cada etapa de vida, como
todas as situações, tem dois lados. Não podemos dizer que a infância é melhor
do que a juventude ou idade adulta. Todas têm vantagens e desvantagens
características.
De
posse de uma visão positiva da velhice, o segundo passo é o planejamento da
vida, na terceira idade. Se durante a maturidade, muitas vezes a pessoa tem que
se sujeitar à oportunidade de trabalho que apareceu, a terceira idade pode se
apresentar como a oportunidade de revitalizar sonhos e ideais que pareciam
soterrados pelas responsabilidades com o sustento familiar. Saber que as
obrigações foram cumpridas e que uma nova oportunidade de realização está a
espera pode ser uma forte motivação para reiniciar a vida.
A
terceira etapa deste processo consiste em viver plenamente o luto da perda e da
separação de um ambiente de trabalho, que pode ter sido o mesmo durante anos a
fio. Despedir-se da mesa de trabalho, com todos os seus significados e
pertences; despedir-se da sala, do prédio, dos colegas, dos afetos e desafetos,
das inúmeras histórias, é fundamental para poder recomeçar. Fazer um balanço
íntimo de tudo que foi aprendido durante os longos anos de trabalho;
libertar-se das frustrações, dos erros; reconhecer o que se aprendeu com eles e
recolher os ensinamentos positivos, significa liberar energia produtiva para a
nova etapa que se avizinha. Virar as costas para esse passado e voltar-se para
um mundo de oportunidades, buscando a própria realização, pode ser a chave de
ouro de uma velhice ativa e jovial.
Quando
dizemos que a aposentadoria é uma invenção cultural do nosso século, chamamos a
atenção para o fato de que as pessoas que seguiram suas vocações não costumam se
aposentar. Quanto isto ocorre por algum impedimento alheio às suas vontades,
elas, de uma forma muito natural, realizam uma readaptação profissional, dentro
da mesma área, como instrutores, professores ou consultores, fazendo uso da
experiência acumulada.
Como
invenção cultural, a aposentadoria não deu certo. Parece-nos que ela não é um
processo natural; parece-nos que o adequado seria que as pessoas se mantivessem
ativas e produtivas, respeitando a condição física e mental de cada momento de
vida, mantendo-se integradas à comunidade em que vivem. Talvez este possa ser o
caminho para o desenvolvimento de uma visão mais positiva em relação à velhice
e à aposentadoria, considerando-se o quanto a participação do idoso pode ser
útil, com toda a sua experiência de vida.
Acreditar
que uma pessoa “deve” se aposentar numa data específica e pré-programada,
parece-nos um atestado de validade útil quando atribuído a mercadorias numa
prateleira, mas inadequado quando se refere aos potenciais do ser humano. Acima
de tudo, é importante lembrarmo-nos de que os resultados positivos ou negativos
que obtemos na vida dependem diretamente das crenças construtivas ou auto-limitantes
que temos em relação à vida. Acreditar que o objetivo final de nossas
existências resume-se a receber o rótulo de inativo, parece-nos muito
pouco diante de tudo quilo que o ser humano é capaz de realizar.
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