terça-feira, 26 de janeiro de 2016

SALÁRIO NÃO É RENDA





            A Línguagem é, para o ser humano, um instrumento vivo e dinâmico de representação do mundo e das experiências nele vividas. Nada existe que não tenha um nome para sua designação, fazendo com que nossa linguagem determine a visão que temos do mundo e de tudo que ocorre a nossa volta. Neste sentido, os significados que atribuímos a determinadas palavras, constituem o conjunto de crenças que direcionam nossas vidas e determinam nossas ações concretas diante de cada situação vivenciada. Além disso, o conjunto de palavras definidas no dicionário de qualquer língua tem valor de lei, por representar um consenso nacional sobre os significados atribuídos a determinados vocábulos, os quais servem de base para a compreensão das leis jurídicas instituídas neste mesmo país. Quando paramos para analisar mais profundamente palavras que fazem parte do nosso cotidiano, deparamo-nos, às vezes, com surpreendentes descobertas Numa destas freqüentes incursões pelas páginas dos dicionários, e pelas leis instituídas sobre termos específicos, encontramos alguns aspectos muito interessantes com relação aos termos salário e renda, que passamos aqui a questionar, até por se tratar de um assunto pertinente a todos nós brasileiros:
O termo salário tem origem nos tempos épicos do Império Romano, quando os soldados eram pagos com sal, estabelecendo-se, desde então, uma relação intrínseca entre salário e sustento da vida. No Brasil, quando instituído, em 1º de Maio de 1940, através do Decreto -lei 2.162, pelo Presidente Getúlio Vargas, em seu artigo 1º, o salário-mínimo destinava-se à satisfação das “necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte”, caracterizando, mais uma vez, a destinação do salário à manutenção das necessidades de vida do trabalhador.
            Por sua vez, no Dicionário Etimológico Nova Fronteira (pág.675) o termo renda está assim definido: resultado financeiro de aplicação de capitais ou economias, ou de locação ou arrendamento de bens patrimoniais”. Por esta definição depreende-se que renda e salário não são sinônimos lingüísticos, já que renda é o rendimento obtido com a aplicação de economias constituídas pelas sobras de salário. Se renda não é o mesmo que salário, por que o chamado Imposto de Renda tem incidência sobre o valor bruto dos vencimentos do trabalhador? Por que o imposto de renda, ao invés de incidir apenas sobre os lucros financeiros obtidos através das diferentes formas de aplicação das sobras salariais, retira, na fonte de recebimento salarial, um percentual dos recursos destinados à alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte do trabalhador? Em que momento da trajetória legislativa esta distorção lingüística ocorreu? Será que um trabalhador, já considerado de classe média, que ganhe em torno de R$2.000,00, sobre cujo salário incide o desconto de imposto retido na fonte, supriu todas as necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte, para si mesmo e para sua família?” Ou será que ele está sendo obrigado a repassar para o Estado, recursos que ainda seriam necessários para o sustento e para a melhoria da qualidade de vida de seus familiares?
            A partir da definição lingüística dos termos salário e renda, entende-se que o trabalhador citado no exemplo acima, somente deveria pagar imposto caso aplicasse as sobras do seu salário no mercado financeiro ou locação, ou ainda arrendamento de bens patrimoniais, passando a usufruir de lucros desvinculados de qualquer atividade laborativa. O que nos parece bem definir o termo renda é o fato de que, aquele que vive de rendas, não necessita trabalhar, mas usufrui lucros originários de outras fontes.
            Talvez alguns leitores estejam se perguntando por que, um tema tão específico de Direito e Economia está sendo abordado por uma Psicóloga. Os Psicólogos são agentes de transformações sociais e a eles, cabe justamente questionar o status qüo da sociedade, naqueles aspectos relacionados com os condicionamentos aos quais somos submetidos, sem percebermos a quem eles podem favorecer. Além disso, este é um assunto de interesse de todos os brasileiros que ao final de cada ano fiscal, fazem malabarismos financeiros, muitas vezes prejudicando a qualidade de vida e o sustento de sua família, para não se transformarem em sonegadores fora da lei.
            Como este, entretanto, não é um assunto específico de minha competência profissional, deixo aqui uma indagação aos Advogados, Promotores e Juízes, defensores da Justiça e da Sociedade, aos quais cabe pesquisar: Salário é renda?

Sueli Meirelles: Especialista em Psicologia Clínica e Consultora em Abordagem Transdisciplinar nas Áreas de Desenvolvimento Humano, Saúde Integral, Ecologia Integral e Educação para a Paz, há 30 anos.


Email: suelimeirelles@gmail.com

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