quarta-feira, 9 de janeiro de 2019


O PIANO   
         Lembro que, na minha infância, minha irmã tinha um piano. Lembro-me, também, do dia em que ele foi retirado de nossa casa, ao ser vendido para o pagamento de dívidas de papai. Minha irmã chorou muito e esse fato foi comentado por ela e minha mãe, durante alguns anos, como uma referência à falência de papai, como ourives.
                Decorridos muitos anos, já como psicóloga, durante um pequeno cochilo no intervalo de almoço, no consultório, sonhei que via um piano no canto da minha sala, entre o janelão e a porta da varanda. Ao atender a primeira cliente, não sei por qual motivo, ela me perguntou: _Você quer um piano? Uma amiga pediu-me que guardasse o piano dela lá em casa. Eu posso emprestar para você e, quando ela pedir, você o devolve. Surpresa com a sincronicidade entre o sonho e a oferta, mandei pegar o velho piano, na casa da minha amiga, colocando-o exatamente no canto onde eu o vizualizara. Em conseqüência, comecei a fazer aulas particulares de piano, pelo Método Auditivo do Professor Amirton Vallin, logo conseguindo tocar algumas músicas bem simples.
                Algum tempo depois, meu marido deu-me um piano Frtiz Dobbert de presente e eu devolvi o antigo à minha amiga, agradecendo-lhe pelo inusitado empréstimo. Assim, continuei a freqüentar as aulas com bastante entusiasmo, até que meu irmão veio a falecer, em conseqüência de grave doença e, um ano depois, também meu pai. Neste momento difícil de minha vida, eu perdi a motivação para a música. Não havia alegria. Meu coração estava muito triste e eu desisti das aulas, fechei o piano e deixei o tempo passar. Ahhh! Como o tempo é curativo! Decorrido algum tempo, nas tardes livres, sentava-me ao piano e dedilhava, não sem alguma dificuldade, as partituras que havia aprendido.
                Certa vez, dirigindo em Copacabana, Rio de Janeiro, para fazer o último acompanhamento terapêutico antes do ingresso ao CIT – Colégio Internacional de Terapeutas, canalizei a Canção do Amanhã, com melodia e letra, apesar de meus parcos conhecimentos musicais. Voltei para casa com música e letra em minha mente e, antes que as esquecesse, catei no teclado as notas relativas ao solfejo, registrando a melodia em pauta do método auditivo.
                Com o passar do tempo, fui trocando o teclado do piano pelo teclado do computador, onde passei a compor artigos, crônicas, contos, livros... Transitando cada vez mais para o mundo digital dos blogs e Redes Sociais, descobrindo que este era o caminho a seguir.
                Numa das ocasiões em que fui assistir ao concerto de uma das bandas centenárias de Nova Friburgo, ouvi um comentário sobre a necessidade de instrumentos para o desenvolvimento de projetos sociais. Olhei para o meu marido, buscando sua concordância, assim como também a dos filhos, mas ainda não era o momento.
                Depois de anunciá-lo para venda, por várias vezes, através da Web, decidi doar o meu piano, já com a concordância familiar, à Banda Sinfônica Campesina Friburguense, que mantém uma escola de música gratuita, aberta à comunidade. Feita a escolha, fui até a Sede da referida banda, deixando meu contato, para efetivar a doação. Após a visita do Presidente da Banda, por conta do recesso de final de ano, ficou acertado que a doação seria feita no dia 06/01/19, data em que a Banda Sinfônica estaria completando 149 anos de existência e Dia de Reis. Tal fato chamou a minha atenção. Em fenômeno de sincronicidade, recebi um texto de Rudolph Steiner, que transcrevo aqui na íntegra: Se quisermos festejar o Natal de modo cristão, deverá existir em nós próprios um Pastor e um Rei. Um Pastor que ouve o que outras pessoas não ouvem e que, com todas as formas de dedicação, more logo abaixo do céu estrelado; a esse Pastor, anjos anseiam por revelar-se. E um Rei que distribua dádivas, que não se deixa guiar por nada mais a não ser pela estrela das alturas. E que se põe a caminho, para ofertar todas as suas dádivas, ao pé de uma manjedoura. Mas além do Pastor e do Rei, deverá existir também em nós uma Criança que quer nascer agora.”
                Pareceu-me que esse texto trazia um significado especial a este ato de doação, como se estivesse encerrando um ciclo de vida familiar, deixando para traz as tristes memórias de infância. A doação dava um novo sentido à vida útil do piano, muito além da sua condição de instrumento musical; ele ganhava a condição de instrumento de alegria e realização na vida de centenas de crianças; ele ganha longevidade, muito além do tempo em que meu marido e eu ainda possamos viver... Traz-nos um sentido de eternidade! Acredito que minha irmã, que antes de falecer fazia parte de um coral, também esteja sentindo-se livre...
                Após o evento, deixei esta mensagem ao Presidente da Banda: “Hoje é dia dos Reis Magos, que segundo o Cristianismo, representam a reunião das diferentes raças, em torno do Cristo. Que a Divina Música, esta linguagem universal, que atravessa as barreiras dos idiomas e fala aos nossos corações, possa reunir os diferentes credos, as diferentes raças, classes sociais, econômicas e culturais, em favor do desenvolvimento dos talentos musicais das crianças da Nossa Friburgo. Muitas Bênçãos para os projetos sociais da Amada Banda Campesina.”
                Como nada acontece por acaso, penso que a doação do meu piano, com tantos significados, no dia 06/01/19 marca o início de um novo tempo, em minha vida pessoal e profissional. A sensação agora é de doce leveza!...

                                   Sueli Meirelles em Nova Friburgo, 06 de Janeiro de 2019.
Link para Canção do Amanhã no blog do Carrossel de Luz:

Whatsapp: 55 22 999.557.166

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