segunda-feira, 23 de março de 2020

O ESPELHO MÁGICO - Conto Transpessoal


PARTE I
Era um espelho bonito, brilhante; com um brilho realmente especial, diferente. Possuía uma moldura dourada, entalhada em madeira, que lhe dava um aspecto que ultrapassava o tempo. Era um espelho que não tinha idade... Mas, além disso, ele possuía uma característica muito especial: Era um espelho mágico. Quanto mais as pessoas se miravam nele, mais suas imagens se tornavam autênticas; o espelho refletia as imagens de como as pessoas realmente eram em suas Individualidades; não, em suas Personalidades[1]. Além disso, quanto mais a pessoa que nele se mirava, fosse autêntica e sincera, mais o espelho se tornava brilhante, luminoso. Era um espelho realmente mágico!...
Encontrado numa loja de antiguidades, dessas, onde um objeto vale pelo seu estilo, sem que alguém realmente lhe dê atenção, o espelho mágico passou a decorar uma das salas da luxuosa residência de sua compradora. Sala bem decorada, onde o bom gosto denunciava formação cultural de alto nível, com regras sociais bem delimitadas, características dos padrões da boa educação. Nesta sala, Maria Eudóxia, a proprietária, promovia reuniões de estudos culturais. Seu grupo era excelente! Era formado por pessoas altamente instruídas, cujos currículos causariam inveja aos desejosos do saber. Eram pessoas cultas, amáveis e educadas, que demonstravam nobres sentimentos umas pelas outras. Os encontros eram bem sucedidos, ou melhor, foram bem sucedidos, até a entrada do espelho mágico, na sala de reuniões das distintas senhoras de sociedade, naquela bela cidade praiana.
Preparada a confortável sala para a reunião do chá das cinco, as amigas começaram a chegar. Eudes foi a primeira. Roupas exóticas, voz de igual timbre, ansiosa por chamar a atenção, mirou-se no espelho. Este lhe devolveu a figura de uma adolescente insegura, tão mais bonita quanto mais se julgava feia. Prestativa, solícita, com certo ar de ingenuidade, que fazia com que muitas vezes ela fosse objeto de chacotas do "amável" grupo, nas falas de amigas nem tão amigas assim. Realmente, sua única dificuldade consistia em moderar a língua que teimava em comentar tudo o que ouvia, com as devidas alterações, para ampliar sua importância e participação no evento. Eudes assustou-se com o que viu. Ficou, até certo ponto, satisfeita e intrigada. Afinal, era muito mais bonita do que imaginava. Isto lhe trouxe conforto e mais autoconfiança. Contrariando suas tendências naturais, resolveu calar-se. Será que isto acontecia também com as outras? Pensou:_Melhor mesmo ficar quieta, até entender o que está acontecendo! Considerou consigo mesma.
Eudes sentou-se e aguardou. Então, Úrsula chegou. Figura exuberante, de família tradicional, com seus pequenos e grandes deslizes por baixo dos panos, comprados com fartos recursos financeiros. Levada por sua vaidade a ajeitar as madeixas encaracoladas, a muito custo conteve o susto. O espelho devolveu-lhe a imagem de poderosa bruxa, de longas unhas afiadas, palavras prontas e ferinas, dona de sonora gargalhada triunfal. Seu único objetivo de vida era a satisfação egoísta do seu imenso desejo de poder. Mas, como Eudes estava presente e ela não queria ser descoberta, sorriu para a bruxa no espelho e abanando-se do próprio calor, sentou-se ao lado da amiga, dizendo-lhe: - Que lindo espelho, Maria Eudóxia comprou, não é mesmo? Eu o achei o máximo!
Em seguida, foi a vez de Ana Verônica. Era interessante observar como elas estabeleciam os seus intervalos de chegada. Uma jamais empanava o brilho da outra e o desfile acontecia com regularidade previsível. Eram realmente senhoras muito bem educadas.
Ana Verônica, uma dama de meia idade, bem casada na vida, com filhos encaminhados, juntava a tudo isto certo ar de adolescente, representado pela franja da cabeleira loura, que escondia suas reais intenções. Com o pescoço grosso de orgulho, continha sua força na parte superior do corpo, mal sustentado por um par de pernas finas e joelhos trêmulos, pelo medo de ter descobertas as suas fraquezas. Ah! Mas tinha o marido e apoiava-se nele. Mandava nele direitinho, sem que o mesmo o percebesse. Ele que não tentasse escapar-lhe e pensar por conta própria! Mantinha-o sob controle e com os ouvidos cheios de estórias. Como iria viver sem ele? Em quem iria se apoiar?...
Ao ver o espelho, Ana Verônica não resistiu a uma olhadinha por baixo da franja. Céus! Uma bruxa! O espelho devolveu-lhe, nuas e cruas, todas as suas características. Talvez por esta semelhança interior, ela e Úrsula tivessem tantas divergências, disfarçadas pela polidez que a educação lhes exigia. Sorrindo sempre, por detrás de sua franja, ela sentou-se com seu leque na frente do rosto, olhando de soslaio, com os ouvidos atentos aos comentários. As outras falavam de suas últimas compras. Alguns milhares de dólares sem importância... Depois, então, foi a vez de Priscila. Educadíssima, de gostos finos, da música clássica ao canto lírico, com voz de soprano, sem que as outras percebessem, manipulava o grupo. Ao entrar na sala, sua atenção desviou-se das amigas para a novidade na parede. Conhecedora de arte e história, logo se aproximou, para melhor examinar o precioso espelho. Devia ser caríssimo. Ah! Aquela moldura! Como gostaria de tê-lo encontrado primeiro!... Chegando perto, estranhou a figura refletida. Esnobe senhora, de ar altivo e arrogante, chicote na mão, parecia comandar seus criados do alto do seu orgulho e despotismo. Cruzes! Que figura! Será que essa sou eu? Sentindo-se insegura, custou a aceitar a idéia. Que coisa estranha?! Pensou ela, ainda intrigada com o que lhe ocorria. Melhor calar e observar, concluiu ela, cautelosamente. Cumprimentando a anfitriã e as amigas, sentou-se para saber das novidades. Porém, a cada dia de reunião, o fenômeno se repetia. Um sentimento de incômodo e mal-estar começou a se instalar no ambiente. Cada uma se questionava, sem coragem de abordar o assunto de frente: Será que "aquilo" acontecia com todas? Será que cada uma, ali presente, aparecia diferente, no espelho?... Será que era daquela forma que elas eram percebidas pelas outras pessoas?... Estes e outros pensamentos fervilhavam nas mentes das educadas senhoras. Com o passar do tempo, o clima das reuniões foi-se tornando horrível e o grupo de amigas mal conseguia concentrar-se nas eruditas conversas. A esta altura dos acontecimentos, Eudes não agüentava mais a tensão de sua língua dentro da boca. Já a havia até mordido algumas vezes. Mas, como colocar isto para o grupo? Como olhar nos olhos das outras? Dizem que os olhos são o espelho da alma?... Não. Ela não tinha coragem.
Terminada a reunião, Eudes decidiu que telefonaria, à noite, para Priscila. Esta era sua amiga e confidente. Sempre ouvia atentamente as questões íntimas que ela lhe contava. As suas e as dos outros. Talvez por isso Priscila tivesse tanto poder sobre o grupo. Afinal, ela sabia de tudo o que ocorria. Por volta de meia noite, horário que ela considerava ideal para as confidências ao telefone, Eudes ligou para a amiga, inicialmente mostrando-se, como sempre, preocupada com o estado de saúde de Priscila, que resgatava com sua doença as muitas maldades do coração. Em meio à conversa, Eudes referiu-se sutilmente ao espelho:
_ Priscila, você não acha aquele espelho da sala de visitas de Maria Eudóxia, meio esquisito? Perguntou ela. E, sem esperar pela resposta, acrescentou: _ Ele parece que distorce as nossas imagens!
_É isso mesmo! Pensou a astuta Priscila. Essa é a palavra chave. O Espelho distorce as nossas imagens. Logo, ele é o culpado. Nós não somos como ele nos mostra.
De posse desse precioso pensamento, que lhe atravessou o cérebro em fração de segundos, Priscila imediatamente concordou com a amiga. Passaram então, a discorrer sobre a deformidade do horrendo espelho e todo o mal que ele causava ao grupo de nobres senhoras. Protegidas por suas capas de boas intenções, as duas amigas passaram a refletir sobre a forma de "avisar" às outras do risco que estavam correndo. Ao término da longa conversa telefônica, concluíram que a melhor maneira seria realmente repetir o que haviam feito entre si: Telefonar para as outras. Eudes, mais familiarizada com o telefone, sempre prestativa, incumbiu-se da tarefa. Até as duas horas da madrugada, já estavam todas avisadas, com reunião extra marcada para a tarde do dia seguinte, quando então discutiriam o assunto, decidindo, em conjunto, o destino de objeto tão maligno como aquele tal espelho.
Às duas e meia da madrugada, Maria Eudóxia, a dona do espelho, tendo sido avisada, rolava sem sono, na cama. Ela, justamente ela, não se olhara no espelho. Apenas mandara pendurá-lo na parede. Afinal, era uma antiguidade preciosa e ela era considerada uma senhora de bom gosto. O que as outras iriam pensar dela, agora? Como isso fora acontecer? Logo com ela, que sempre previa tudo; que gostava de tudo tão bem organizado e planejado nos mínimos detalhes!?...
Afinal, deixando de lado o marido que ressonava profundamente, como sempre distante dela e de suas questões, resolveu levantar-se e, reunindo toda a sua coragem, esgueirou-se, cautelosamente, até a sala onde estava o espelho.
A luz de um poste de rua deixava o ambiente na penumbra, o que ela considerou bastante oportuno. Não estava interessada em se ver. Não, depois do que as outras haviam lhe falado. Para que? Estava tão bem assim! Era uma senhora tão conceituada socialmente!... Mas o espelho parecia implacável. Pelo pouco que ele refletiu, ela percebeu uma senhora afetuosa, gentil, educada, dominadora, que teimava em não ver o vazio de sua relação conjugal, o crescimento e a independência dos filhos e a sua frustração profissional, procurando, inutilmente, preencher suas tardes com as tais reuniões culturais. Basta! Pensou ela. Minhas amigas têm toda razão! Amanhã mesmo decidiremos o que fazer com este maldito espelho!
O tempo, no dia seguinte custou a passar, até que os ponteiros dos relógios de cada uma das amigas, arrastando-se para elas em lenta agonia, marcaram a hora da tão esperada reunião, à qual, elas, contrariando seus hábitos, chegaram juntas; pontualmente. Vestidas de maneira sóbria, pareciam damas da era vitoriana, defensoras da moral e da sociedade. A primeira a falar foi Priscila. Passando a mão direita por sobre os ombros de sua querida amiga Maria Eudóxia, falou, mostrando as olheiras, sobre a noite insone de preocupação que tivera. E por estranho que pareça, o fenômeno do espelho havia-se acentuado mais ainda. O grupo de amigas, agora, de propósito, reunido diante do espelho, estava mais feio do que na véspera, talvez porque estivessem muito aborrecidas com ele... Tomadas de surpresa e indignação, as nobres senhoras esqueceram-se de sua educação esmerada e, pegando os primeiros objetos ao alcance de suas mãos, atiraram-nos contra o malfadado espelho. As horríveis imagens nele refletidas foram-se fragmentando, até que a moldura vazia, pateticamente, mostrava apenas o forro que protegia o seu fundo. Num último rompante e desabafo, elas partiram em conjunto, unidas pela mesma idéia de fazer aquela moldura também em pedaços, para que nada mais lembrasse a desafortunada situação.
Refeita do susto de tal crise histérica, Maria Eudóxia retomou sua postura exemplar. Tocando a sineta, chamou um prestimoso criado, dizendo-lhe que recolhesse os cacos do espelho, que se partira com súbito golpe de ar. O criado, assentindo com a cabeça, saiu, refletindo consigo mesmo sobre a possibilidade de ventos inesperados numa tarde tão linda, dentro de uma sala toda fechada. Voltou trazendo uma vassoura, uma pá de lixo muito limpa e um pequeno balde, recolhendo todos os cacos, com a certeza de que não era pago para pensar nas causas dos acontecimentos dentro daquela casa... Feito isso, Maria Eudóxia novamente tocou a sineta e a copeira, devidamente uniformizada, serviu o chá às elegantes, nobres e satisfeitas senhoras, que retomaram seus lugares para os debates culturais, como sempre haviam feito...
PARTE II
Ao recolher os cacos do espelho, olhando-o de modo distraído, o criado achou-o diferente. Não entendia nada dessas coisas de arte, mas aquele espelho tinha um brilho diferente e ele poderia ganhar algum dinheirinho, vendendo-o para o comerciante da loja de quinquilharias, do outro lado da cidade. Assim pensando, partiu para a ação. O dono da loja aceitou a oferta, dando-lhe alguns trocados em pagamento pela mercadoria, deixando-a no saco em que fora trazida. Pensou que os cacos de espelho talvez servissem para algum trabalho artesanal daquele casal de fregueses que se "ligava" em coisas da Nova Era, como eles mesmos diziam. O comerciante era, realmente, um homem de visão e o negócio de fato aconteceu. Havia até um pedaço maior do espelho, que resistira ao ataque das senhoras e que, poderia, com jeito e arte, ser transformado numa peça bonita. Entusiasmado com o achado, o jovem casal olhou de relance para dentro do saco e levou toda a sucata para casa.
Com sua curiosidade feminina, a esposa foi a primeira a mirar-se no caco maior do espelho, justamente o que ela achou mais bonito, lamentando que tivessem destruído a valiosa peça. A imagem que surgiu esfriou-lhe o entusiasmo. Sua boca aparecia distorcida pela raiva que ela mantinha contida; o medo aparecia-lhe nos olhos, que se mostravam, quando lhe convinha, bastante dissimuladores, e, além disso, a parte da figura que estava refletida se afastava dela mesma, repelida por seus sentimentos de auto-rejeição. Tal visão a deixou transtornada. Que coisa incrível!?...
Quando o marido chegou, à noite, do trabalho, ela estava muito assustada. Relatando o caso do misterioso espelho, pediu-lhe que experimentasse olhar-se no caco maior. Nele, o rapaz viu orgulho e prepotência ocultando o medo que lhe causava miopia. Medo de não ser bom o bastante, uma vez que, conscientemente, tinha bons propósitos e, por tudo que já havia lido sobre o assunto, queria realmente evoluir. Ambos tinham este objetivo, mas ao seu modo de ver, isto não incluía ter que olhar os próprios defeitos. Preocupavam-se apenas em demonstrar socialmente que agiam segundo os critérios em que acreditavam.
Depois de algum tempo de uma tensa e preocupada conversa sobre o assunto, como acontecera de outras vezes, a jovem e dominadora esposa convenceu o marido dos riscos de ter tal espelho dentro de casa. Ainda estavam começando a aprender o esoterismo, não sabiam com o que estavam lidando e quais as conseqüências que lhes poderiam advir. Eles eram tão gentis com todos e estavam tão empenhados em evoluir! E se fossem considerados maus?... Certamente seriam rejeitados. Tamanho medo levou-os a decidirem que o melhor seria desfazerem-se do espelho. Havia aquele lugar lá na praia: O monturo, onde os mendigos catavam o lixo. Mas eles não podiam fazer isso. Não seria ecológico jogar lixo na praia. Melhor seria entregar os indesejados cacos para o primeiro mendigo que passasse, o qual certamente os levaria para o monturo, dessa forma livrando o casal, da responsabilidade pelo ocorrido.
Na manhã seguinte, a jovem esposa, interrompida em seus afazeres domésticos pelo pedinte habitual, correu prestimosa para entregar-lhe, juntamente com o pedaço de pão, os cacos do espelho e os restos da moldura, dentro do mesmo saco de lixo. A princípio pensando tratar-se de utensílios caseiros, o mendigo decepcionou-se com o insólito presente, decidindo que aquilo não lhe servia para nada. Ele não gostava mesmo de se olhar em nenhum espelho!... Já, havia muito tempo, perdera o interesse por sua própria imagem. Decidiu que o melhor mesmo seria atirá-lo no monturo da praia...
PARTE III
Zé Humildades era um simples pescador. Ninguém sabia ao certo de onde ele viera e o que ele realmente pescava, ali naquela praia. Talvez peixes, talvez almas...
Caminhava pelas areias, quase sempre sozinho, perdido ou, quem sabe, reencontrando a si mesmo em suas meditações. Outras vezes, de modo aparentemente casual, poderia ser visto com algum morador em dificuldades, que procurava consolo nas suas palavras de "pescador". Ele possuía aquela sabedoria que não costuma freqüentar os bancos das Universidades. Zé Humildades era catedrático em vida e àqueles que o buscavam, distribuía a palavra certa no momento certo, convidando à reflexão conjunta, que na maioria das vezes levava o perguntador a pescar a resposta dentro de si mesmo.
E foi numa dessas caminhadas que o pescador encontrou os cacos do espelho. Estavam jogados no monturo, num canto da praia, que servia de local de despejo de lixo para aqueles que desconhecem os princípios básicos da preservação da natureza.
_Essa gente não aprende mesmo! Disse ele, pensando em voz alta. Sujar uma areia tão linda, feita por Deus! E ainda mais, podendo alguém se cortar nos cacos!... Que espelho diferente!... Como ele brilha!!!
E pensando assim Zé Humildades pegou um caco e se olhou. O espelho mágico devolveu-lhe o reflexo luminoso de uma parte do seu rosto. O pescador gostou do que viu e, pensando em ver mais, pegou outro caco e juntou-o ao primeiro. Num passe de mágica, os dois pedaços se uniram e a emenda sumiu. Intrigado com o fenômeno, ele começou a unir os cacos do espelho, como se estivesse montando um quebra-cabeças. Quebra-cabeças mágico, que refletia a grandeza do seu caráter, os seus bons sentimentos, a sinceridade de seus propósitos. Zé Humildades se tornara transparente e, quanto mais montava o espelho, mais este intensificava o seu brilho, refletindo a luminosidade interna do pescador. Encontrando os pedaços da velha moldura entalhada, Zé Humildades levou tudo para a sua cabana. Pacientemente, recompôs a madeira em volta do espelho, reconstituindo sua pintura com tinta marinha. Assim, ela suporta melhor às marés da vida! Pensou ele:_ Um espelho tão bonito, sem moldura, está sujeito a muitos riscos e pode logo se quebrar!
Terminada a tarefa, Zé Humildades colocou o espelho mágico, agora restaurado, em sua "sala de visitas", num canto entre a cama e o fogão, onde uma velha mesa de madeira resinada resistia ao tempo, servindo de apoio aos bate-papos filosóficos, entre goles de café quente, coado na hora, em acolhimento daqueles que o procuravam para suas reflexões sobre a vida.
Interessante que aquela peça tão trabalhada, tão rica e tradicional não contrastava com o ambiente simples daquela choupana. Mirando-se nele, agora por inteiro, Zé Humildades viu, refletida no espelho, a figura de um sábio, com sua túnica de um azul puríssimo, sentado em farta mesa, numa sala que denotava o bom gosto e a beleza de lugares distantes no espaço...
Vendo aquela imagem, o pescador sorriu silencioso. O espelho havia posto o seu segredo a descoberto. Ainda silencioso, pegou cuidadosamente a sua preciosidade (que lhe seria extremamente útil para verificar se estava desempenhando sua tarefa a contento; a sua pescaria de almas...), enquanto ouvia dentro de si o espelho, dizendo-lhe: _É, José! Somente você, em toda esta cidade, poderia ter-me reconstituído, com sua beleza interior; com esta sua capacidade de amar, de forma incondicional, única força capaz de resgatar a inteireza!... Mas ninguém precisa saber disso, não é?... Respondendo que sim para dentro de si, o pescador envolveu o espelho num tecido rústico, colocando-o numa velha arca de navio que o acompanhara em muitas viagens, e retornou às suas atividades rotineiras...
PARTE IV
Muito tempo se passou desde então. O pescador, a choupana e o espelho se foram... A praia agora tem o céu recortado pelos espigões de concreto e suas areias mal aparecem, quando cobertas pelos corpos ardidos dos veranistas, expostos, pela desrespeitada natureza, aos raios tórridos e implacáveis do sol. Nos bares locais, moradores mais antigos contam que, segundo uma lenda daquela cidade praiana, em noite de lua cheia, quando tudo está mais tranqüilo e alguém passeia pelas areias desertas, dispondo-se a se conhecer profundamente, costuma ver surgir em seu caminho, um sábio com um espelho, que o ajuda a se conhecer melhor, em seus momentos de solidão e reflexão interior...
                                                                              Sueli Meirelles _ Especialista em Psicologia Clínica (Hipnose Ericksoniana, Regressão de Memória, Reprogramação Mental)

Site: www.institutoviraser.com
Email: suelimeirelles@gmail.com
Whtasapp: 55 22 99955-7166


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