Em
meio a tantas transformações sociais, focalizamos nossa atenção no verbo
“ficar”, o qual, segundo Mestre Aurélio, tem o sentido de demorar, perdurar,
permanecer e, em franca contradição, hoje, é utilizado pelos nossos jovens para
significar os efêmeros relacionamentos, que duram o tempo exato da novidade e
da atração sexual.
O
que aconteceu com o relacionamento afetivo dos seres humanos? Em que momento o
mapa de aproximação, a dança do acasalamento, presente em todas as espécies
animais, foi esquecido pelo autodenominado homo-sapiens? Em que momento o
instinto selvagem se sobrepôs à sensibilidade despertada pela razão de seres
pensantes? Onde foi parar (ficar?) o coração dos jovens que têm medo de amar;
medo da entrega e do comprometimento, bases estáveis para o desenvolvimento da
intimidade e da qualidade, em qualquer relacionamento que pretenda ser
duradouro?
Por
ser manterem integradas às regras da Mãe Natureza, outras espécies animais
obedecem aos rituais instintivos de acasalamento, cumprindo etapas essenciais à
procriação e sobrevivência de sua espécie. Um gato, na expressão mais ampla do
sentido que esta palavra tem hoje, no vocabulário popular, procura impressionar
e seduzir a fêmea, com seus elegantes movimentos. Na espécie humana, este mapa
de aproximação deveria reproduzir as fases do desenvolvimento psico-sexual,
criando espaço para o desenvolvimento da sensibilidade necessária, para a
identificação de afinidades: 1º) Fase Ocular: Primeiro momento de idealismo,
que busca encontrar suas próprias respostas, nos mistérios ocultos nos olhos do
outro; 2º Fase Oral: O compartilhar do sopro da vida, na expectativa de
encontrar o alimento afetivo. 3º Fase Anal: A primeira expressão da busca da permanência
do contato com o outro, através do toque. 4º) Fase Genital: A quarta e última
etapa do encontro, da entrega capaz de permitir a procriação da espécie, depois
de realizada a escolha mais adequada, para garantir a estabilidade do
relacionamento afetivo. Mas, não é isto o que acontece nos dias de hoje.
Motivados pela sociedade de consumo de bens materiais ou emocionais, os jovens
saem às ruas em busca de quantidade e, não, de qualidade. Querem contabilizar
quantas vezes “pegam” ou “ficam” com alguém, traduzindo, em números elevados, a
miséria afetiva de seus corações. Têm medo de amar, de sofrer, de se
decepcionar ao descobrirem que o outro não lhes traz a garantia da tão desejada
felicidade. Por isso, se usam, mantendo a relação em seus níveis mais superficiais,
visando apenas o esvaziamento imediato da tensão libidinal; tendo como objetivo,
apenas o prazer físico. Tudo isso tem como conseqüências o risco da gravidez
indesejada, da transmissão de doenças sexuais, do vazio existencial do dia
seguinte, quando se verifica que pouco ou nada restou do relacionamento vivido
na noite anterior. Quem era esse ser humano com quem se trocou fluídos
orgânicos? Quais seriam seus desejos mais ocultos? Seus sonhos? Seus ideais?
Seus objetivos de vida?... Ilustre desconhecido com quem se compartilhou os
mistérios do corpo, mas de quem não se conheceu os mistérios da alma...
Por
tudo isto, indagamos: Qual foi o momento, na história recente da humanidade, em
que o dança do acasalamento, com todos os seus passos, foi deixada para traz?
Em que momento os seres humanos perderam a sensibilidade do encontro amoroso?
Onde foi parar a delicadeza de conquistar o ser pensante, o ser amante,
promessa de encontro saboreado com antecedência pela mais viva imaginação? Não
há mais tempo para o sonho e para a poesia, quando os desejos imediatos são
logo saciados, partindo-se, em seguida, em busca de alimento para o coração que
permanece faminto do verdadeiro amor. Será por esse motivo, que nossos jovens
chamam as relações descartáveis de “ficar”? Será que, através deste verbo com
tantos significados de durabilidade, eles enviam mensagens de alerta sobre a
morte do amor em nossa civilização?
Nos
anos trinta, Vinícius de Morais, um dos nossos mais ilustres poetas, em seu
“Soneto de Fidelidade”, nos ensinava:
“(...)Eu
possa me dizer do amor (que tive):
Que não
seja imortal, posto que é chama
Mas que
seja infinito enquanto dure.”
Como
sabiamente nos mostra o poeta, não esperamos que os relacionamentos de seres em
permanente processo de transformação e crescimento interior possam ser eternos,
mas que, eterna seja a sensibilidade de nos lembrarmos de que o amor é um
sentimento que flui de quem ama para quem é amado, num exercício de doação de
si mesmo, que alimenta o crescimento do outro, ao invés de consumi-lo em
relacionamentos antropofágicos.
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Sueli Meirelles
Site: www.suelimeirelles.com
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