Tradução

sábado, 24 de agosto de 2013

APOSENTADORIA: PREMIO OU CASTIGO?


Muitas pessoas passam a vida sonhando com o dia da aposentadoria, quando ficarão livres de todo e qualquer compromisso, para “curtir” a vida. Este modelo pode ser simbolizado por uma confortável cadeira de balanço, num sobrado com varanda. Afinal, aposentar-se tem o sentido linguístico de recolher-se aos aposentos. Mas, será realmente assim?
         A aposentadoria é uma invenção cultural do nosso século, tendo surgido, na década de 50, a partir da criação das Caixas de Pecúlio, criadas pelas diversas categorias profissionais, que, mais tarde, foram transformadas em institutos e, depois, no INSS. De início, com a arrecadação destinada unicamente aos pagamentos de aposentadorias e, posteriormente estendida também à área de assistência médica (o que seria função do Ministério da Saúde), o Instituto Nacional de Previdência Social teve seus cofres arrombados pela corrupção amplamente divulgada nos noticiários nacionais e internacionais. Cada vez mais “achatada” pela falta de atualização monetária, o valor das aposentadorias perdeu seu poder aquisitivo e, hoje, mal dá para a subsistência dos aposentados, mostrando-se como um sistema falido. Mas, do ponto de vista psicológico, o que significa aposentar-se? Como isto ocorre, na prática, dentro deste contexto político e econômico?
         Atuando diretamente junto a esta faixa etária da população, observo que a aposentadoria é um processo extremamente complexo, podendo ocorrer em várias etapas.
         Durante a vida produtiva, a aposentadoria afigura-se, num horizonte longínquo, como promessa de laser remunerado. Com a chegada da maturidade e as inúmeras experiências que fazem parte da vida, a aposentadoria começa a tornar-se motivo de preocupação: Incerteza em relação ao futuro, pensamentos perturbadores sobre velhice, limitações físicas, desmotivação para recomeçar, sentimentos de perda, rejeição, inutilidade... O que fazer depois de aposentado? Como escolher outra atividade? Este é o quadro da aposentadoria, numa época em que a longevidade já pode ser vista como uma condição conquistada pela ciência. Então, o que fazer, para que a aposentadoria se torne uma etapa produtiva e gratificante?
         Em primeiro lugar, é preciso rever os conceitos associados à velhice. Quanto mais as pessoas acreditarem que é possível ser idoso e saudável, mais a terceira idade poderá tornar-se positiva. Se no decorrer da vida, o indivíduo desenvolver hábitos de exercício físico, lazer, projetos de vida, alimentação balanceada e sentimentos de utilidade, com certeza estará criando condições adequadas para chegar, com saúde, à terceira idade. Se por um lado, a velhice pode trazer algumas restrições, com certeza traz também uma sabedoria de vida, pouco comum em outras idades e, de qualquer modo, cada etapa de vida, como todas as situações, tem dois lados. Não podemos dizer que a infância é melhor do que a juventude ou idade adulta. Todas têm vantagens e desvantagens características.
         De posse de uma visão positiva da velhice, o segundo passo é o planejamento da vida, na terceira idade. Se durante a maturidade, muitas vezes a pessoa tem que se sujeitar à oportunidade de trabalho que apareceu, a terceira idade pode se apresentar como a oportunidade de revitalizar sonhos e ideais que pareciam soterrados pelas responsabilidades com o sustento familiar. Saber que as obrigações foram cumpridas e que uma nova oportunidade de realização está a espera pode ser uma forte motivação para reiniciar a vida.
         A terceira etapa deste processo consiste em viver plenamente o luto da perda e da separação de um ambiente de trabalho, que pode ter sido o mesmo durante anos a fio. Despedir-se da mesa de trabalho, com todos os seus significados e pertences; despedir-se da sala, do prédio, dos colegas, dos afetos e desafetos, das inúmeras histórias, é fundamental para poder recomeçar. Fazer um balanço íntimo de tudo que foi aprendido durante os longos anos de trabalho; libertar-se das frustrações, dos erros; reconhecer o que se aprendeu com eles e recolher os ensinamentos positivos, significa liberar energia produtiva para a nova etapa que se avizinha. Virar as costas para esse passado e voltar-se para um mundo de oportunidades, buscando a própria realização, pode ser a chave de ouro de uma velhice ativa e jovial.
         Quando dizemos que a aposentadoria é uma invenção cultural do nosso século, chamamos a atenção para o fato de que as pessoas que seguiram suas vocações não costumam se aposentar. Quanto isto ocorre por algum impedimento alheio às suas vontades, elas, de uma forma muito natural, realizam uma readaptação profissional, dentro da mesma área, como instrutores, professores ou consultores, fazendo uso da experiência acumulada.
         Como invenção cultural, a aposentadoria não deu certo. Parece-nos que ela não é um processo natural; parece-nos que o adequado seria que as pessoas se mantivessem ativas e produtivas, respeitando a condição física e mental de cada momento de vida, mantendo-se integradas à comunidade em que vivem. Talvez este possa ser o caminho para o desenvolvimento de uma visão mais positiva em relação à velhice e à aposentadoria, considerando-se o quanto a participação do idoso pode ser útil, com toda a sua experiência de vida.
         Acreditar que uma pessoa “deve” se aposentar numa data específica e pré-programada, parece-nos um atestado de validade útil quando atribuído a mercadorias numa prateleira, mas inadequado quando se refere aos potenciais do ser humano. Acima de tudo, é importante lembrarmo-nos de que os resultados positivos ou negativos que obtemos na vida dependem diretamente das crenças construtivas ou auto-limitantes que temos em relação à vida. Acreditar que o objetivo final de nossas existências resume-se a receber o rótulo de inativo, parece-nos muito pouco diante de tudo quilo que o ser humano é capaz de realizar.



terça-feira, 20 de agosto de 2013

O CONTRATO SECRETO DO RELACIONAMENTO



            Quando falamos em vida a dois, pensamos num casal, num homem e numa mulher, que decidem, por diferentes razões, compartilhar suas vidas. Aquilo que parecia uma proposta simples de compartilhar duas vidas, gradativamente começa a adquirir uma complexidade que, na maioria dos casos, resulta num intrincado novelo, onde os fios se multiplicam, sem que se saiba exatamente com eles surgem. Muitas vezes esses fios formam nós, cuja única solução parece ser o corte definitivo da separação. Mas, por que isto acontece?
            Em primeiro lugar, o que chamamos “vida a dois” é um relacionamento que tem como modelos os pais do casal, com seus aspectos positivos e negativos de personalidade. A mulher tentará reproduzir o que tenha sido positivo na personalidade de sua mãe; desejará que o marido seja parecido com o seu pai, em seus aspectos positivos. Inconscientemente, repetirá os aspectos negativos da personalidade de sua mãe e desaprovará os comportamentos do marido que sejam parecidos com os aspectos negativos de seu próprio pai. O marido, por sua vez, reproduzirá este mesmo quadro, fazendo com que o relacionamento a dois se transforme num relacionamento a seis: Os pais de ambos, mais o casal. Como se isto não bastasse, cada um dos cônjuges pode predominantemente ser visual, auditivo ou sinestésico, privilegiando aspectos que talvez para o outro não sejam significativos. Uma esposa visual irá valorizar decoração e filmes, enquanto um marido sinestésico irá preferir sentar-se à mesa de um bar, para alguns petiscos e um bom bate-papo, que deixará a esposa (visual) preocupada com a dieta e a forma física. Temos agora um relacionamento entre seis partes de cada lado: o cônjuge, seus pais e seus três canais sensoriais (visual, auditivo e sinestésico). Além disso, em cada um dos cônjuges interferem três partes psíquicas: O Pai Internalizado (conjunto de regras e valores, que estabelecem o que é certo ou errado), o lado adulto que pondera, avalia e decide, e o lado criança, que representa a parte emocional, movida pelos desejos inconscientes. Teremos, assim, nove partes de cada lado, o que significa, matematicamente, oitenta e uma possibilidades de atritos.
            Se as duas partes psíquicas responsáveis pelas regras entram em conflito, teremos uma disputa de poder entre o casal. Se num dos cônjuges predomina este lado de regras, tendo como contrapartida a criança interna do outro, as brigas serão entremeadas por mal-criações por parte do cônjuge mais imaturo. Se a criança interna de um for submissa, irá obedecer ao pai internalizado do outro cônjuge, transformando o casamento num relacionamento filial. Se os dois tiverem o predomínio da criança interna, o relacionamento será marcado pela irresponsabilidade, de ambas as partes. Some-se a tudo isso as expectativas que cada cônjuge cria em relação ao seu parceiro ou parceira, e ainda, as metas pessoais da vida de cada um, e teremos a explicação para o alto índice de separações que reduzem os mais lindos sonhos dos tempos de namoro, a um pacote de decepções de parte a parte.
            Quando promovemos a análise da linguagem de um casal, sejam namorados, noivos ou marido e mulher, identificamos os pontos de conflito que muitas vezes transformam a vida a dois num campo de batalha, em que o outro se torna o depositário das questões emocionais mal resolvidas na infância de cada um. Trazer estas questões à consciência é o primeiro passo para libertar o outro de expectativas que talvez ele ou ela jamais possa vir a satisfazer, para tornar-se um ser humano inteiro e responsável por sua própria felicidade.  A partir da sua auto-realização e do redirecionando da vida pessoal para metas que só dependam da própria pessoa e que, poderão ser compartilhadas com alguém que também busque concretizar seus próprios ideais,  duas pessoas realizadas e livres dos fantasmas de suas histórias de vida têm mais chances de serem felizes juntas.


                                                                                               SUELI MEIRELLES


terça-feira, 13 de agosto de 2013

DEPENDENCIA QUÍMICA



            Numa sociedade que perdeu os seus valores éticos e a sustentação dos valores transcendentais, aumenta, assustadoramente, a quantidade de jovens dependentes químicos. Sentindo-se sem apoio para o enfrentamento dos desafios evolutivos da vida, eles buscam o alívio temporário e ilusório proporcionado pelas drogas, diante das dificuldades espirituais, psíquicas e emocionais. Para que possamos efetivamente ajudá-los, precisamos compreender como este processo ocorre.
            Em primeiro lugar, a predisposição psicológica para a dependência de drogas se estabelece na fase oral do desenvolvimento psico-afetivo, entre o primeiro e o segundo ano de vida, quando o indivíduo está aprendendo, literal e também simbolicamente, a caminhar com os próprios pés. As necessidades emocionais não atendidas nesta fase do desenvolvimento, irão se instalar na forma de baixa-estima e insegurança, gerando a ansiedade e os sentimentos de inadequação, que irão funcionar como um fator desencadeante do uso de drogas, na adolescência. Nesta fase de transição entre ser criança ou ser adulto, os “grupos de pares” surgem como uma das formas de apoio externo, diante das dificuldades relacionais típicas de nossa sociedade conflituosa, levando o jovem emocionalmente fragilizado às primeiras experiências com drogas, geralmente maconha. A maconha foi introduzida em nossa cultura pelos povos indígenas que a utilizavam como “erva de poder”, dentro de rituais religiosos, ou para alcançar estados alterados de consciência, quando conseguiam “sair do corpo”, para localizar uma criança perdida na floresta, por exemplo, e que corria risco de morte. No contato com a nossa civilização, este procedimento perdeu o seu caráter de utilidade e sacralidade, para se constituir num procedimento de fuga diante de uma realidade de vida, para a qual não se está preparado. Por este caminho, no decorrer das décadas, outras drogas foram introduzidas, com o objetivo de se conseguir, através de substâncias químicas cada vez mais pesadas, o tão desejado e inacessível estado de felicidade. Este estado alterado de consciência produzido artificialmente por uma substância química conduz a uma inegável e temporária sensação de bem-estar, que se constitui num dos principais obstáculos para a recuperação dos dependentes químicos. O relaxamento e a felicidade são resultantes da estimulação cerebral para a liberação de dopamina e cerotonina. A dopamina é o neurotransmissor responsável pelo relaxamento muscular, que se traduz pela sensação de total ausência de risco e a serotonina é a responsável pela sensação de bem-estar e felicidade. Liberadas em excesso durante o uso de drogas, as reservas destas duas substâncias são rapidamente esgotadas, uma vez que o cérebro não tem tempo para restabelecer o seu equilíbrio bioquímico, fazendo com que o usuário, ao retornar ao seu estado normal, caia no extremo oposto da tensão e da sensação de infelicidade, o que lhe exige novamente o uso da droga, estabelecendo-se um círculo vicioso, em que as quantidades da droga consumida terão que ser cada vez maiores, para compensar a falta (também cada vez maior) de dopamina e serotonina.
            Depois de estabelecida a dependência química, para que a recuperação seja alcançada, torna-se necessária a internação em clínica especializada, quando serão administradas porções gradativamente menores da droga, até que o organismo esteja totalmente livre de seus efeitos, e as liberações de dopamina e serotonina, pelo cérebro, tenham novamente alcançado o seu equilíbrio normal. Caso contrário, o dependente irá apresentar as reações típicas da síndrome de abstinência, na qual estão incluídas as depressões profundas, pela falta de serotonina, e os espasmos musculares, provocados pela ausência de dopamina no organismo. Todos estes fatores, associados aos estímulos externos de uma sociedade em transição civilizatória, deixam os jovens confusos e inseguros, quanto ao caminho que deverão seguir em suas vidas.
            Por detrás deste triste quadro, geralmente se encontra toda uma trajetória de falta de atenção e diálogo entre as diferentes gerações, substituição de valores morais por bens de consumo, desorientação quanto ao verdadeiro sentido da vida, sentimentos pouco desenvolvidos de fé e religiosidade, que poderiam funcionar como os elementos de apoio que os jovens necessitam, diante dos desafios que a vida lhes impõe.

Mais uma vez, o trabalho preventivo do diálogo aberto quanto às conseqüências do uso de drogas, associado ao suporte emocional e à introdução de valores morais e espirituais, pode trazer aos jovens a sustentação necessária para que eles entrem no mundo dos adultos, fortalecidos em suas metas existenciais, tornando-se mais seguros e menos sujeitos às influências externas destrutivas.

                                                                                 SUELI MEIRELLES

domingo, 11 de agosto de 2013

A BANALIZAÇÃO DAS DROGAS



            Em recente entrevista, uma estrela televisiva revelou que usa maconha, como recurso para relaxar, evidenciando, como formadora de opinião, todo o seu despreparo para o status que alcançou.
            A questão das drogas, não só no que se refere à maconha, crack, cocaína ou qualquer outra droga ilícita, mas também em relação às drogas habitualmente receitadas para o combate à depressão, síndrome de pânico e outros distúrbios do sistema vegetativo, é uma questão muito mais complexa.
            Todo ser humano funciona em sete diferentes níveis, associados aos seus sistemas glandulares, em íntima relação com o estado espiritual, mental e emocional, no qual se encontra. Embora nem todas as pessoas utilizem todos estes potenciais, eles influenciam diretamente a sua qualidade de vida. Algumas pessoas utilizam apenas alguns desses estados de consciência, sobrecarregando determinados sistemas de sua fisiologia, pela má distribuição da energia vital por todo o organismo.
A glândula pineal, comandante de todo o sistema psicossomático, durante muito tempo foi considerada pela ciência clássica como órgão vestigial, ou seja, um órgão cuja função se perdeu no tempo. Os modernos estudos da consciência, entretanto, têm revelado sua primordial função de transcendência, capaz de colocar o ser humano em contato direito, através de Estados Superiores de Consciência, com um princípio auto-organizador e harmonizador inerente ao psiquismo, com efeitos positivos sobre os estados emocionais e fisiológicos de cada indivíduo. Hoje, sabe-se que a condição de harmonização espiritual de uma pessoa; o seu sentido de vida influencia o seu padrão de pensamentos, o qual, por sua vez, irá exercer uma influência direta sobre os estados emocionais. Estes estados emocionais, positivos ou negativos, enquanto cargas de energia alteram o meio bioquímico do organismo, enviando mensagens estabilizadoras ou desestabilizadoras para todo o sistema glandular, através da hipófise, contribuindo para a saúde ou para a doença manifestada no corpo físico.
            Quando trabalhamos com dependentes químicos, observamos que a maioria deles não percebe a droga como um risco à saúde. O mesmo ocorre com as pessoas que fazem uso continuado de calmantes e antidepressivos, às vezes durante longos anos de suas vidas, sem que percebam o risco de dependência química em que se encontram.
            Em estudos realizados com o inconsciente profundo, verificamos sérios bloqueios das funções de intuição e de transcendência, orientadoras do sentido da vida, correspondentes às glândulas hipófise e pineal, em pessoas que se tornaram dependentes de drogas, álcool, nicotina, cafeína ou qualquer outra substância inibidora ou ativadora do Sistema Nervoso Central. Todas estas substâncias tiram do organismo sua condição natural de reorganização, a partir da identificação, esvaziamento e reequilibração homeostática, decorrente de uma efetiva mudança dos padrões mentais e emocionais utilizados na relação com a vida.
            A tendência para o uso de drogas, lícitas ou ilícitas está associada aos sentimentos de insatisfação, insegurança e baixa tolerância à frustração, por parte das pessoas que desconhecem o potencial natural de auto-regulação de seus organismos, que podem ser ativados através de técnicas de meditação e visualização criativa. Buscam fora de si mesmas, aquilo que somente poderá ser encontrado no seu próprio interior.
            Este hábito pernicioso teve origem com as descobertas da química, que permitiram que se reduzisse ou eliminasse um sintoma, sem a necessidade de modificar padrões inadequados de comportamento. Com o tempo, este modelo de combate às doenças mostrou-se altamente lucrativo, gerando fabulosos rendimentos para indústria química de medicamentos, sendo seu uso, atualmente, massificado através das propagandas sempre presentes nos principais meios de comunicação de massa.
            A necessidade do uso de drogas para lidar com a vida indica o aprisionamento a estados de consciência imaturos, onde o medo e a insegurança, gerados em experiências anteriores, contaminam as reações comportamentais no presente, fazendo com que determinadas situações de vida pareçam um obstáculo difícil de transpor. Para reverter este quadro, torna-se necessário que cada pessoa esteja disposta a buscar o autoconhecimento e se defrontar com seus medos internos, resgatando sua sabedoria interior, compreendendo os diferentes obstáculos da vida, não como impedimentos, mas como desafios para o seu crescimento e evolução como ser humano.

                                                                                                                          SUELI MEIRELLES 

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

DE ONDE VEM O MAL?



“As coisas más que são feitas sobre a Terra,
 são praticadas por seres humanos.
Nós não podemos pôr a culpa disso nas plantas
Ou nos animais... Mas, se você
 e eu não somos maus, quem é mau?”
(Donovan Thesenga)


            Embora nossa cultura nos imprima uma visão dualista, segundo a qual as pessoas são totalmente boas ou más, não é isto o que ocorre dentro dos seres humanos. O bem e o mal coabitam em nosso interior, ocupando três camadas distintas: O Eu Idealizado (aquilo que queremos que os outros saibam que nos somos), o Eu Inferior (aquilo que não queremos que os outros saibam que nos somos) e o Eu Superior (aquilo que muitas vezes nem sabemos que nós somos).
            O Eu Idealizado corresponde à nossa personalidade, à máscara que utilizamos na vida em sociedade, na tentativa de sermos amados e aprovados por aqueles com quem convivemos, como se não pudéssemos existir, independentemente da opinião alheia, espelho através do qual buscamos a nossa auto-imagem idealizada.  Nosso Eu Idealizado luta, mente e esconde tenazmente os nossos defeitos, temendo a crítica e a desvalorização social, que imaginamos que irá nos atingir e nos abater, se nossos erros forem descobertos. Na tentativa de sustentar esta máscara, muitos de nós acabamos por conseguir justamente o efeito contrário, já que, em situações de alta pressão social, esta casca tende a se romper, colocando à mostra os defeitos, a tanto custo escondidos.
            O Eu Inferior corresponde a todos os aspectos de nossas personalidades que tememos que os outros venham a descobrir: Nele estão a inveja, a infidelidade, o orgulho, a vaidade, a negligência, a ganância, e todas as demais imperfeições humanas, sustentadas por sentimentos de raiva, medo, tristeza, dor, ódio, e que tanto mal fazem a própria humanidade. Apesar de estarem polarizados negativamente, e realmente causarem mal, estes defeitos constituem potenciais de energia psíquica igualmente úteis para o desenvolvimento humano. O grande segredo da transformação interior consiste exatamente em aceitarmos, dentro de nós mesmos estes sentimentos, conhecê-los nos contextos em que foram criados, para que possamos exercer sobre eles a força de vontade necessária para transformá-los em motivações para o nosso crescimento interior. O que dificulta este processo é justamente a idéia de que teremos que anular nossos desejos, para nos transformarmos em seres humanos insípidos, destituídos do prazer de viver e de usufruir tudo aquilo que a vida pode nos oferecer de bom. Esta é uma idéia distorcida sobre a evolução humana, que faz com que a transformação interior seja sentida como morte ou aniquilação de si mesmo. Na luta por combater estes fantasmas internos, acabamos percebendo-os em nossos semelhantes, o que origina as crises de relacionamento, nos diferentes níveis em que elas ocorrem, sejam no contexto familiar, profissional, social, nacional ou internacional.
            Quando nos abrimos corajosamente para o autoconhecimento, nossos fantasmas internos tornam-se menos ameaçadores, e podemos começar a não combate-los – o que seria simplesmente inútil - mas a compreendê-los em suas necessidades e a atender a essas necessidades, através de comportamentos mais construtivos, gradualmente desenvolvendo novos valores de vida.
            Quando descobrimos a coragem de empreender a travessia dos pântanos da nossa alma, descobrimos o caminho para o Eu Superior, onde o melhor de nós mesmos nos aguarda, como um prêmio pelo esforço empreendido. A descoberta dessas qualidades já desenvolvidas funciona como estímulo e apoio para a decisão de continuarmos o processo de transformação do Eu Inferior, pouco a pouco somando estes potenciais recém-transformados àqueles recém-descobertos, até que todo este potencial positivo recém-agregado impulsione cada um de nós para a manifestação exterior daquilo que realmente viemos ser. Encontrar a missão existencial traz-nos o prazer da realização pessoal, sem a qual todas as conquistas tornam-se satisfações passageiras, que o ego deixa para trás, em busca de novas metas ilusórias. Ao contrário do que pensávamos antes, a descoberta do Eu Superior nos religa com a verdadeira paz interior e com o verdadeiro prazer de viver, agora livre das ameaças inconscientes de sermos descobertos, a qualquer  momento, em nossas fantasias de sermos perfeitos, segundo os modelos culturais que nos foram transmitidos.
            Quando descobrimos que não somos nem maiores nem menores do que aquilo que realmente somos, do ponto de vista evolutivo, podemos objetivamente, combater o mal, não no mundo à nossa volta ou nos nossos semelhantes, mas naquela parcela de mal pela qual somos responsáveis, através de nossos próprios comportamentos. Ao mesmo tempo em que desistimos de mudar o mundo a nossa volta, percebemos que podemos mudar o nosso mundo interior, reativando uma força amorosa e contagiante de acolhimento àqueles que se dispõem a esta difícil travessia para o mundo melhor que todos nós desejamos.