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sexta-feira, 15 de junho de 2018

O DIA EM QUE AS MULHERES ENTRARAM EM GREVE - Conto


            João acordou no horário habitual, para trabalhar. Seria um dia como outro qualquer, não houvesse algo de estranho no ar, a começar pela expressão de Maria, já desperta, mas ainda recostada na cama. Seus olhos tinham um brilho intenso, acompanhado por um sorriso enigmático e ligeiramente divertido.
            Sem dar mais importância ao detalhe, João entrou no banheiro, para a sua higiene matinal. Ao sair, Maria continuava recostada sobre o travesseiro, absorta com as mensagens virtuais. Incomodado com a postura dela, João disparou o comando para que ela tomasse a iniciativa de sua rotina habitual, colocando tudo no seu devido lugar:  _ Vamos tomar café?
            Maria olhou para ele, com seu olhar brilhante e sorriso enigmático e respondeu: _ Querido, bom café para você! Hoje é meu primeiro dia de greve!
            _Greve de que, se você é Dona de Casa?
            _Por isso mesmo! Respondeu ela. E continuou: _Quando é que Dona de Casa se aposenta?
            Nunca!!! Respondeu João automaticamente. Desde que o mundo existe é assim!... É a ordem “natural” das coisas! As mulheres nasceram para cuidar da casa, do marido e dos filhos!
            _E você acha isso justo? Perguntou ela.
            Pensando que talvez Maria estivesse “naqueles dias” de mau humor, João decidiu sair de casa mais cedo e tomar café na lanchonete perto do escritório, onde uma simpática e atenciosa garçonete o servia com presteza... Seguindo de carro pela avenida principal, viu alguns grupos de homens em conversas agitadas pelas esquinas. Embora achasse estranho, não deu muita atenção ao fato. João se orgulhava de ter foco e objetividade. Ao chegar à lanchonete, estranhou que, diferente do habitual, só houvesse homens no recinto e a simpática garçonete não estivesse lá. Quando o garçom veio atendê-lo, perguntou pela moça.
            _Ela hoje está em greve! Respondeu o garçom, com um sorriso irônico.
            Tal resposta provocou certo desconforto no estômago de João, mas de imediato, avistou um amigo entrando na lanchonete e fez-lhe sinal para vir sentar-se à sua mesa.
_E aí! Tudo bem? Indagou.
_Tudo bem como, cara! Minha mulher parece que ficou maluca! Acordou hoje, pela manhã, dizendo que está entrando em greve!
            GREVE!!! Soou o alarme dentro do João, provocando-lhe taquicardia. Neste momento, um dos homens no grupo da mesa ao lado, levantou-se e falou para os demais presentes: _ Algo de muito errado está acontecendo, hoje! Descobrimos que nossas mulheres entraram em greve. Vejam que absurdo! Parece que combinaram pelo Whatsapp. A campanha está viralizando nas Redes Sociais!...
            _ Mas o que elas estão reivindicando? Perguntou João.
            _Amigo! A lista é enorme e ridícula! Estão exigindo salários por cada uma das tarefas desempenhadas em casa: Cozinheira, lavadeira, arrumadeira, enfermeira, babá, administradora, contadora, economista, mediadora de conflitos familiares... Algumas mulheres mais radicais estão reivindicando também pagamento pelas horas dedicadas ao sexo. Que coisa mais estapafúrdia!!!
            _Mas eu pago faxineira! Argumentou o homem sentado numa mesa mais distante. O orador continuou, mostrando-se bem informado sobre o movimento grevista feminino:
            _ Elas dizem que os serviços prestados por terceiras podem ser descontados da lista. As que trabalham fora, estão argumentando que este termo “trabalhar fora” é discriminatório e evidencia a sobrecarga do trabalho feminino. Dizem que trabalham fora, dentro, à direita, à esquerda, em cima, em baixo (rrss)!... As mulheres piraram de vez! As provedoras, argumentam, ainda, que nunca deram despesas para os seus maridos, inclusive em relação aos planos de saúde dos filhos, descontados em seus contra-cheques. Também sinalizam os excelentes presentes de Natal, aniversário, Dia dos Namorados, partilha de despesas de jantares e viagens. Muitas alegam que sustentam a casa e os maridos. Diante das novas informações, o alvoroço na lanchonete generalizou-se pelos presentes, evidenciando forte indignação.
            _Que coisa maluca! Só quero ver quanto tempo vai durar isso! Resmungou para si mesmo, um senhor sentado numa mesa isolada. Já havia algum tempo ficara viúvo e morava só, fazendo ele mesmo suas tarefas domésticas, por conta dos parcos recursos da aposentadoria. Sentia-se a salvo do problema...
            Enquanto a notícia ia-se espalhando pela cidade, os aturdidos cidadãos descobriram, através do noticiário (masculino) de plantão, que o movimento havia tomado proporções nacionais e começava a expandir-se para outros países, principalmente os países latinos e muçulmanos, onde a cultura machista predominava.
            Ainda confusos e sem terem organizado um consenso em termos de ações repressivas em relação à “Greve de Mulheres”, os homens decidiram seguir para seus locais de trabalho, com a expectativa de que, à noite, tudo houvesse voltado ao “normal”, com possibilidade de pazes entre os lençóis perfumados com alfazema... Mas não foi o que aconteceu. Parece que não havia ninguém para perfumar os lençóis com alfazema... Ao chegar à casa, João encontrou Maria servindo o último alimento no jantar das crianças, que animadas, esperavam Mamãe, alegremente, para novas brincadeiras. As grevistas haviam combinado entre si, que os serviços essenciais devidos às crianças, idosos e doentes seriam mantidos. Desconhecendo esse detalhe, João respirou fundo e ainda segurando a sua irritação, saiu do apartamento em busca de algo para comer na rua. Neste momento, temeu que o restaurante mais próximo não tivesse um cozinheiro homem. Era só o que faltava acontecer!...
            Em represália ao abuso, João resolveu dormir no sofá da sala e nele permaneceu durante a semana em que a greve continuou. Até o oitavo dia, quando percebeu que suas roupas de trabalho estavam amontoadas na área de serviço e que não havia mais cuecas para trocar... Neste momento sua boca explodiu em palavrões. Falou todos que conhecia e inventou mais alguns, tamanha era a sua raiva. Decidiu vestir a mesma roupa do dia anterior, juntando as demais num saco de lixo, para deixar na lavanderia. Quando lá chegou, o dono o informou que não poderia receber suas roupas porque a duas funcionárias também estavam em greve e ele não sabia como ligar as máquinas.  Retornando com sua trouxa de roupas sujas ao carro, João lembrou-se de que, em casa, nunca havia ligado a máquina de lavar, tarefas habituais de Maria e da faxineira. Como fazer? Ele não poderia ficar indefinidamente sem trocar de roupas. Será que o manual de instruções da máquina ainda estaria em alguma gaveta? Mas quem organizava todos os papéis e documento da casa era Maria... Será que Maria estaria disposta a ensiná-lo a usar a máquina de lavar? Sentiu-se humilhado com a situação e pensou em outra estratégia: _Quanto ela poderia cobrar se ele lhe propusesse pagar pelo serviço?... Mas não teve coragem de lhe propor, esperando que a situação ainda se resolvesse por si mesma.
            Chegando à casa, com as roupas sujas, João viu que Maria brincava com as crianças, enquanto a máquina lavava as roupas dela e dos menores. Pura discriminação! Pensou, ressentido. Para onde foram as juras de amor e os votos de fidelidade na riqueza e na pobreza? Para seu maior desconforto, a greve havia chegado, também, ao leito conjugal... Indignado e convicto de suas razões pessoais, João considerou que não havia mais clima para a manutenção de nenhum tipo de voto e decidiu ir dormir num Motel. Precisava espairecer e se divertir um pouco. Mas, para seu total desespero, as prostitutas também haviam aderido à greve. Alegavam que seus corpos mereciam respeito e não mais seriam usados como vasos de esperma. Protestavam contra os abusos sexuais na infância, alegando que esses traumas às conduziram às ruas. O dono do prostíbulo, já bastante calvo, arrancava seus últimos fios de cabelo, gritando, desesperado: _Estou completamente falido!!!!
            Passados quinze dias, João viu emergir, à sua volta, uma série de imprevistos que nunca havia imaginado: Maria decretara que o banheiro da suíte seria para o seu uso e o das crianças. No banheiro social, a toalha sempre úmida, contava os dias em que permanecera ali, sem sequer tomar sol ou ser trocada. As roupas de cama, jogadas no sofá da sala, onde agora dormia, não estavam em melhores condições, com a fronha do travesseiro amarelada pelo suor do seu rosto. Enquanto isso, a  ‘Greve de Mulheres” continuava firme e forte. A Primeira Dama, “Bela, Casta e do Lar”, também decidira aderir ao movimento, assim como as esposas e amantes de todo Congresso Nacional. Sentindo-se pressionado, o Presidente Temeroso, com olheiras profundas e um terno surrado, por conta da greve de suas assessoras femininas, fez um pronunciamento em cadeia nacional, propondo ceder às reivindicações. Afinal, segundo seus também temerosos assessores, a população feminina era maioria, com menor índice de analfabetismo do que o masculino e muitas delas, financeiramente independentes e provedoras de família[1]. Como haviam deixado isso acontecer?... A situação, agora, estava totalmente fora de controle!
            Vereadoras, Deputadas e Senadoras preparavam Projetos de Leis para a promoção do equilíbrio entre o masculino e o feminino; entre o prover e o cuidar dentro de cada ser humano, para por fim a Guerra dos Sexos, com base no livro do mesmo nome, de autoria do Psicólogo Frances Pierre Weil, felizmente disponível para todas, em PDF[2]. Para dar suporte ao movimento, as parlamentares decidiram também criar “Círculos de Mulheres” em cada cidade, como fóruns para a síntese das principais questões emergentes: A principal bandeira era a aposentadoria efetiva para todas as Donas de Casa, aos 70 anos, criando estruturas sociais que dessem suporte à proposta de acabar com o modelo social desumano, que forçava mulheres idosas a cuidarem de suas casas, enquanto se agüentassem de pé. Havia muitos conflitos a serem mediados[3]. Começaram a estudar e criaram uma Biblioteca, com livros pertinentes ao assunto. Realmente, a vida nunca mais seria como antes. As mulheres haviam aprendido a prover e os homens precisariam, urgentemente, aprenderem a cuidar... Inclusive de si mesmos!
            João acordou meio tonto, no meio da noite, sentindo a boca seca e o coração palpitante. Para seu espanto, percebeu que Maria dormia tranquilamente ao seu lado, na mesma cama. Não compreendeu. Quando chegou à cozinha, olhou para a área de serviços e viu suas roupas no secador, como de hábito. Percebeu que havia tido um pesadelo. Um terrível pesadelo, diga-se de passagem!... Passou o resto da noite insone, refletindo sobre o acontecido.
            Ao amanhecer, levantou-se devagarzinho, para não acordar Maria... Depois da higiene pessoal, preparou o café, colocou numa bandeja, não sem antes acrescentar uma pequena e singela flor, numa jarra-tulipa, deixando tudo na mesinha ao lado dela. Viu que ali havia também livros que nunca percebera. Entre eles, O Fim da Guerra dos Sexos, de Pierre Weil[4]... Teria tido um sonho premonitório? Pensou. Sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha dorsal... Não teve coragem de acordá-la. Qual seria a sua reação quando despertasse? Qual será a reação de todas as mulheres, quando despertarem?... Este pensamento fez João estremecer, numa sucessão de sensações, características do surgimento de um novo estado de consciência...  Foi para o trabalho, mas, a princípio, não comentou nada com seus amigos. Por enquanto, era um segredo bem guardado no seu coração. Iria começar a falar com eles, aos poucos. Seria um pioneiro, pois percebera que os privilégios masculinos estavam chegando ao fim. Passou a prestar mais atenção ao modo como Maria fazia as coisas. Começou a aprender com ela e a chamar seu filho mais velho para colaborar. Começou a perceber que também no escritório, o cuidar ia-se infiltrando.[5] Gradativamente compreendeu que não era exatamente um pesadelo, mas um processo de transformação social justo e evolutivo. João sentiu-se emocionado e constatou que havia despertado dentro de si mesmo a capacidade de cuidar... Agora, era um Ser Humano Inteiro! Assim como Maria também aprendera a prover. Percebeu que agora estavam mais unidos do que antes e que, cada um por seu lado, havia desenvolvido mais entendimento sobre as necessidades do outro. Isto os aproximava e permitia que compartilhassem interesses em comum. João e Maria criaram um Círculo de Casais, com o objetivo de por fim à Guerra entre os Sexos, com reuniões mensais, cada vez mais concorridas e bem humoradas, onde muitos outros casais descobriam novas facetas de si mesmos. Como medida de segurança para o projeto, a cada novo grupo, este conto era distribuído para despertar a consciência evolutiva e não mais haver necessidade de “Greve de Mulheres”...

                                    Sueli Meirelles, em Nova Friburgo, 15 de Junho de 2018.

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                                       Professora, Pesquisadora e Especialista em Psicologia Clínica (UGF_1986) MBA em Gestão de Projetos. Consultora em Desenvolvimento Humano, Saúde Integral, Ecologia Integral e Educação para a Paz. Escritora e Palestrante. 
Wahtsapp: 55 22 999.557.166


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