Tradução

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

VIVENDO O CAOS SOCIAL

            Diante de uma economia globalizada, cresce a estratificação das classe sociais. Enquanto um grupo cada vez menor de brasileiros, torna-se mais rico, aumenta, neste país,  a grande massa empobrecida pela má distribuição de renda. Em conseqüência disso, aumenta também a violência urbana - os pequenos delitos, os  assaltos e seqüestros - apesar de todo o aparato de segurança,  cada vez mais especializado. Paralelamente a esta estratificação, a perda de valores éticos e os maus exemplos, em todos os setores e níveis da estrutura social brasileira, diariamente transmitidos pela mídia, são um incentivo à quebra dos valores morais que se perderam nas últimas décadas. A ética atual não privilegia o respeito ao direito do próximo, mas ao ganho fácil do mais forte sobre o mais fraco e às “vantagens” alcançadas pelos mais “espertos”. Estas distorções lingüísticas originadas no empobrecimento cultural do povo e na falta de oportunidades numa sociedade cada vez mais complexa, alimentam e explicam os desvios de comportamento social, cada vez mais freqüentes.
            É importante que se compreenda que o aumento da violência é uma conseqüência da falta de estrutura econômica, social e educacional e não, simplesmente, uma conseqüência da falta de repressão policial e vigilância ostensiva. Sabemos, por experiência própria que, quando não estamos sendo vigiados, somente deixamos de fazer aquilo que acreditamos que seja errado, segundo nossos próprios valores éticos. Diz a sabedoria popular que “quando os gatos estão fora, os ratos fazem a festa”. Usando esta mesma metáfora, sabemos também que os ramsters, que são ratos de estimação, por serem devidamente amados e estarem devidamente cuidados e alimentados, diminuem, de forma natural e expontânea, a tendência instintiva de roubar alimentos, a qual sempre se origina na premência de atendimento às necessidades básicas.
            Os comportamentos de desvio social não ocorrem por acaso. Eles têm uma longa trajetória, que normalmente se inicia com um pai ausente ou alcoólatra, que muitas vezes surra ou sevicia, tornando preferível a busca da rua, desestruturada e, ao mesmo tempo, livre e sedutora, porque permissiva e totalmente sem regras ou limites. Limites estes que  simbolicamente são representados pela figura paterna. As pesquisas comportamentais mostram que, quanto mais a figura paterna é ausente ou problemática, deixando de exercer a sua função básica de apoio e autoridade, maiores são os desvios de comportamento social.
            Quando se associam necessidades básicas não atendidas e falta de estrutura educacional no seu sentido amplo de desenvolvimento das capacidades físicas, morais e intelectuais da criança,  esta perde totalmente a possibilidade de estruturar-se como elemento consciente e produtivo para a sua sociedade.
            Reprimir a violência cria pressões sociais cada vez maiores, com o aperfeiçoamento das perversas técnicas de guerra urbana que, dia-a-dia, tornam-se mais violentas. De suas janelas, os impotentes moradores, assistem à troca de balas entre bandos inimigos ou entre bandidos e policiais, riscando o céu noturno com seu raio luminoso e mortífero. Até quando ainda defenderemos o pensamento simplista de que basta reprimir, para acabar com a violência? Não será também um ato de violência da sociedade organizada, acreditar que aqueles a quem falta tudo, deverão sofrer calados e quietos, todas as injustiças sociais deste país, para não incomodarem, com suas misérias, o conforto e o laser dos mais abastados?
            Ao ser informada de que o povo não tinha pão para comer, Maria Antonieta, Imperatriz de França indagou por que eles não comiam bolo. Tanto descaso pelas condições de seu povo, custou-lhe a própria cabeça. Será que ainda não percebemos que caminhamos para o caos, na medida em que, enquanto sociedade organizada, não nos preocupamos com os investimentos na área educacional e social? Será que não percebemos que o único caminho para reverter este caos, que irá engolir a todos nós, é o caminho da educação e da reestruturação social, através de uma aproximação maior entre a escola e a sociedade como um todo?
            Teoricamente educar é preparar para a vida em comunidade e para o exercício da cidadania. Na prática, o grande contingente de crianças entregues à própria sorte tem engrossado as fileiras do exército de miseráveis que não tendo nada mais a perder, em seu desespero e revolta, querem levar  com eles, alguns de nós.
Até quando assistiremos impassíveis e omissos a esta desestruturação social? Como a imperatriz francesa, vamos esperar que a Bastilha seja invadida pela turba desesperada? Ainda é tempo de usarmos as nossas cabeças...

                                                                                               SUELI MEIRELLES

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

SEPARANDO O JOIO DO TRIGO

SEPARANDO O JOIO DO TRIGO

A Crise entre a Intolerância e a Permissividade

         Com as intensas transformações sociais do mundo atual, muitas vezes nos sentimos sem parâmetros de avaliação para o nosso comportamento: Até onde estamos sendo permissivos e coniventes com a inversão de valores com a qual convivemos? Até onde estamos sendo radicais, defendendo valores ultrapassados por um constante processo evolutivo? Como estabelecer um grau de tolerância e equilíbrio que nos permita navegar em meio às correntes extremistas deste momento de crise? Como orientar nossos jovens a evitarem a sedução das aparentes “facilidades”?
         Um conceito extremamente útil diante deste impasse é o critério de conseqüências: Quais as conseqüências, para nós e para os outros, de determinados procedimentos? Com certeza, quando consentimos ou somos coniventes com um procedimento que nos é  lesivo, ou lesivo aos outros, estaremos sendo permissivos, pois ser tolerante significa simplesmente constatar que a crise existe, compreendê-la e agir sobre ela, com base no critério de conseqüências. E compreender não significa concordar; compreender é avaliar uma situação dentro do contexto que lhe dá origem, preservando nossos direitos e valores de ação.
         No consultório ou nas palestras que faço, muitas pessoas me indagam sobre esta questão, mostrando-se confusas quanto ao comportamento a seguir. Como profissional, procuro observar os fenômenos dentro de uma perspectiva evolutiva o que me leva a crer que a falta de parâmetros, de valores morais bem definidos, pode representar uma importante oportunidade para que possamos exercitar nosso livre arbítrio e escolhermos, de foro íntimo, de que lado queremos realmente ficar. O que vamos escolher? O lado do joio ou o lado do trigo? Hoje, com pressões sociais menos intensas neste sentido, a desonestidade é confundida com esperteza e ninguém será cerceado na sua vontade por críticas severas de uma sociedade rígida. É tempo de ‘terra sem lei”, o que permite que a antiga condenação social seja substituída por uma nova consciência evolutiva, que nos indique o caminho a seguir. Não é mais tempo de ser honesto pelo receio da crítica. Cada pessoa, hoje, tem ampla liberdade para exercer suas escolhas e, justamente este fator, torna estas escolhas muito mais significativas. Diante da oportunidade do delito e sem a proibição social, só não iremos nos corromper em função de crenças num sentido de vida mais amplo, numa ética superior, dentro da qual as experiências terrenas assumem uma importância relativa.
         A experiência paradoxal de nosso tempo consiste em compreendermos e tolerarmos o caos transformacional e, ao mesmo tempo, mantermo-nos firmes no caminho que conduz às metas evolutivas. Mesmo que aparentemente estejamos em desvantagem ou fora do contexto; mesmo que sejamos objeto de críticas, ainda assim vale a pena sermos fiéis às nossas escolhas, pois, como diz a sabedoria popular: “Os cães ladram e a carruagem passa”...

                                                                                     
                                                                                             SUELI MEIRELLES