PARTE
I
Era
um espelho bonito, brilhante; com um brilho realmente especial, diferente.
Possuía uma moldura dourada, entalhada em madeira, que lhe dava um aspecto que
ultrapassava o tempo. Era um espelho que não tinha idade... Mas, além disso,
ele possuía uma característica muito especial: Era um espelho mágico. Quanto
mais as pessoas se miravam nele, mais suas imagens se tornavam autênticas; o
espelho refletia as imagens de como as pessoas realmente eram em suas Individualidades;
não, em suas Personalidades.
Além disso, quanto mais a pessoa que nele se mirava, fosse autêntica e sincera,
mais o espelho se tornava brilhante, luminoso. Era um espelho realmente
mágico!...
Encontrado
numa loja de antiguidades, dessas, onde um objeto vale pelo seu estilo, sem que
alguém realmente lhe dê atenção, o espelho mágico passou a decorar uma das
salas da luxuosa residência de sua compradora. Sala bem decorada, onde o bom
gosto denunciava formação cultural de alto nível, com regras sociais bem
delimitadas, características dos padrões da boa educação. Nesta sala, Maria
Eudóxia, a proprietária, promovia reuniões de estudos culturais. Seu grupo era
excelente! Era formado por pessoas altamente instruídas, cujos currículos
causariam inveja aos desejosos do saber. Eram pessoas cultas, amáveis e
educadas, que demonstravam nobres sentimentos umas pelas outras. Os encontros
eram bem sucedidos, ou melhor, foram bem sucedidos, até a entrada do espelho
mágico, na sala de reuniões das distintas senhoras de sociedade, naquela bela
cidade praiana.
Preparada
a confortável sala para a reunião do chá das cinco, as amigas começaram a
chegar. Eudes foi a primeira. Roupas exóticas, voz de igual timbre, ansiosa por
chamar a atenção, mirou-se no espelho. Este lhe devolveu a figura de uma
adolescente insegura, tão mais bonita quanto mais se julgava feia. Prestativa,
solícita, com certo ar de ingenuidade, que fazia com que muitas vezes ela fosse
objeto de chacotas do "amável" grupo, nas falas de amigas nem tão
amigas assim. Realmente, sua única dificuldade consistia em moderar a língua
que teimava em comentar tudo o que ouvia, com as devidas alterações, para
ampliar sua importância e participação no evento. Eudes assustou-se com o que
viu. Ficou, até certo ponto, satisfeita e intrigada. Afinal, era muito mais
bonita do que imaginava. Isto lhe trouxe conforto e mais autoconfiança.
Contrariando suas tendências naturais, resolveu calar-se. Será que isto
acontecia também com as outras? Pensou:_Melhor mesmo ficar quieta, até entender
o que está acontecendo! Considerou consigo mesma.
Eudes
sentou-se e aguardou. Então, Úrsula chegou. Figura exuberante, de família
tradicional, com seus pequenos e grandes deslizes por baixo dos panos,
comprados com fartos recursos financeiros. Levada por sua vaidade a ajeitar as
madeixas encaracoladas, a muito custo conteve o susto. O espelho devolveu-lhe a
imagem de poderosa bruxa, de longas unhas afiadas, palavras prontas e ferinas,
dona de sonora gargalhada triunfal. Seu único objetivo de vida era a satisfação
egoísta do seu imenso desejo de poder. Mas, como Eudes estava presente e ela
não queria ser descoberta, sorriu para a bruxa no espelho e abanando-se do
próprio calor, sentou-se ao lado da amiga, dizendo-lhe: - Que lindo espelho,
Maria Eudóxia comprou, não é mesmo? Eu o achei o máximo!
Em
seguida, foi a vez de Ana Verônica. Era interessante observar como elas
estabeleciam os seus intervalos de chegada. Uma jamais empanava o brilho da
outra e o desfile acontecia com regularidade previsível. Eram realmente
senhoras muito bem educadas.
Ana
Verônica, uma dama de meia idade, bem casada na vida, com filhos encaminhados,
juntava a tudo isto certo ar de adolescente, representado pela franja da
cabeleira loura, que escondia suas reais intenções. Com o pescoço grosso de
orgulho, continha sua força na parte superior do corpo, mal sustentado por um
par de pernas finas e joelhos trêmulos, pelo medo de ter descobertas as suas
fraquezas. Ah! Mas tinha o marido e apoiava-se nele. Mandava nele direitinho,
sem que o mesmo o percebesse. Ele que não tentasse escapar-lhe e pensar por
conta própria! Mantinha-o sob controle e com os ouvidos cheios de estórias.
Como iria viver sem ele? Em quem iria se apoiar?...
Ao
ver o espelho, Ana Verônica não resistiu a uma olhadinha por baixo da franja.
Céus! Uma bruxa! O espelho devolveu-lhe, nuas e cruas, todas as suas
características. Talvez por esta semelhança interior, ela e Úrsula tivessem
tantas divergências, disfarçadas pela polidez que a educação lhes exigia.
Sorrindo sempre, por detrás de sua franja, ela sentou-se com seu leque na
frente do rosto, olhando de soslaio, com os ouvidos atentos aos comentários. As
outras falavam de suas últimas compras. Alguns milhares de dólares sem
importância... Depois, então, foi a vez de Priscila. Educadíssima, de gostos
finos, da música clássica ao canto lírico, com voz de soprano, sem que as
outras percebessem, manipulava o grupo. Ao entrar na sala, sua atenção
desviou-se das amigas para a novidade na parede. Conhecedora de arte e história,
logo se aproximou, para melhor examinar o precioso espelho. Devia ser
caríssimo. Ah! Aquela moldura! Como gostaria de tê-lo encontrado primeiro!...
Chegando perto, estranhou a figura refletida. Esnobe senhora, de ar altivo e
arrogante, chicote na mão, parecia comandar seus criados do alto do seu orgulho
e despotismo. Cruzes! Que figura! Será que essa sou eu? Sentindo-se insegura,
custou a aceitar a idéia. Que coisa estranha?! Pensou ela, ainda intrigada com
o que lhe ocorria. Melhor calar e observar, concluiu ela, cautelosamente.
Cumprimentando a anfitriã e as amigas, sentou-se para saber das novidades. Porém,
a cada dia de reunião, o fenômeno se repetia. Um sentimento de incômodo e
mal-estar começou a se instalar no ambiente. Cada uma se questionava, sem
coragem de abordar o assunto de frente: Será que "aquilo" acontecia
com todas? Será que cada uma, ali presente, aparecia diferente, no espelho?...
Será que era daquela forma que elas eram percebidas pelas outras pessoas?...
Estes e outros pensamentos fervilhavam nas mentes das educadas senhoras. Com o
passar do tempo, o clima das reuniões foi-se tornando horrível e o grupo de
amigas mal conseguia concentrar-se nas eruditas conversas. A esta altura dos
acontecimentos, Eudes não agüentava mais a tensão de sua língua dentro da boca.
Já a havia até mordido algumas vezes. Mas, como colocar isto para o grupo? Como
olhar nos olhos das outras? Dizem que os olhos são o espelho da alma?... Não.
Ela não tinha coragem.
Terminada
a reunião, Eudes decidiu que telefonaria, à noite, para Priscila. Esta era sua
amiga e confidente. Sempre ouvia atentamente as questões íntimas que ela lhe
contava. As suas e as dos outros. Talvez por isso Priscila tivesse tanto poder
sobre o grupo. Afinal, ela sabia de tudo o que ocorria. Por volta de meia
noite, horário que ela considerava ideal para as confidências ao telefone,
Eudes ligou para a amiga, inicialmente mostrando-se, como sempre, preocupada
com o estado de saúde de Priscila, que resgatava com sua doença as muitas
maldades do coração. Em meio à conversa, Eudes referiu-se sutilmente ao
espelho:
_
Priscila, você não acha aquele espelho da sala de visitas de Maria Eudóxia,
meio esquisito? Perguntou ela. E, sem esperar pela resposta, acrescentou: _ Ele
parece que distorce as nossas imagens!
_É
isso mesmo! Pensou a astuta Priscila. Essa é a palavra chave. O Espelho
distorce as nossas imagens. Logo, ele é o culpado. Nós não somos como ele nos
mostra.
De
posse desse precioso pensamento, que lhe atravessou o cérebro em fração de segundos,
Priscila imediatamente concordou com a amiga. Passaram então, a discorrer sobre
a deformidade do horrendo espelho e todo o mal que ele causava ao grupo de
nobres senhoras. Protegidas por suas capas de boas intenções, as duas amigas
passaram a refletir sobre a forma de "avisar" às outras do risco que
estavam correndo. Ao término da longa conversa telefônica, concluíram que a
melhor maneira seria realmente repetir o que haviam feito entre si: Telefonar
para as outras. Eudes, mais familiarizada com o telefone, sempre prestativa,
incumbiu-se da tarefa. Até as duas horas da madrugada, já estavam todas
avisadas, com reunião extra marcada para a tarde do dia seguinte, quando então
discutiriam o assunto, decidindo, em conjunto, o destino de objeto tão maligno
como aquele tal espelho.
Às
duas e meia da madrugada, Maria Eudóxia, a dona do espelho, tendo sido avisada,
rolava sem sono, na cama. Ela, justamente ela, não se olhara no espelho. Apenas
mandara pendurá-lo na parede. Afinal, era uma antiguidade preciosa e ela era
considerada uma senhora de bom gosto. O que as outras iriam pensar dela, agora?
Como isso fora acontecer? Logo com ela, que sempre previa tudo; que gostava de
tudo tão bem organizado e planejado nos mínimos detalhes!?...
Afinal,
deixando de lado o marido que ressonava profundamente, como sempre distante
dela e de suas questões, resolveu levantar-se e, reunindo toda a sua coragem,
esgueirou-se, cautelosamente, até a sala onde estava o espelho.
A
luz de um poste de rua deixava o ambiente na penumbra, o que ela considerou
bastante oportuno. Não estava interessada em se ver. Não, depois do que as
outras haviam lhe falado. Para que? Estava tão bem assim! Era uma senhora tão
conceituada socialmente!... Mas o espelho parecia implacável. Pelo pouco que
ele refletiu, ela percebeu uma senhora afetuosa, gentil, educada, dominadora,
que teimava em não ver o vazio de sua relação conjugal, o crescimento e a
independência dos filhos e a sua frustração profissional, procurando,
inutilmente, preencher suas tardes com as tais reuniões culturais. Basta!
Pensou ela. Minhas amigas têm toda razão! Amanhã mesmo decidiremos o que fazer
com este maldito espelho!
O
tempo, no dia seguinte custou a passar, até que os ponteiros dos relógios de
cada uma das amigas, arrastando-se para elas em lenta agonia, marcaram a hora
da tão esperada reunião, à qual, elas, contrariando seus hábitos, chegaram
juntas; pontualmente. Vestidas de maneira sóbria, pareciam damas da era
vitoriana, defensoras da moral e da sociedade. A primeira a falar foi Priscila.
Passando a mão direita por sobre os ombros de sua querida amiga Maria Eudóxia,
falou, mostrando as olheiras, sobre a noite insone de preocupação que tivera. E
por estranho que pareça, o fenômeno do espelho havia-se acentuado mais ainda. O
grupo de amigas, agora, de propósito, reunido diante do espelho, estava mais
feio do que na véspera, talvez porque estivessem muito aborrecidas com ele...
Tomadas de surpresa e indignação, as nobres senhoras esqueceram-se de sua
educação esmerada e, pegando os primeiros objetos ao alcance de suas mãos,
atiraram-nos contra o malfadado espelho. As horríveis imagens nele refletidas
foram-se fragmentando, até que a moldura vazia, pateticamente, mostrava apenas
o forro que protegia o seu fundo. Num último rompante e desabafo, elas partiram
em conjunto, unidas pela mesma idéia de fazer aquela moldura também em pedaços,
para que nada mais lembrasse a desafortunada situação.
Refeita
do susto de tal crise histérica, Maria Eudóxia retomou sua postura exemplar.
Tocando a sineta, chamou um prestimoso criado, dizendo-lhe que recolhesse os
cacos do espelho, que se partira com súbito golpe de ar. O criado, assentindo
com a cabeça, saiu, refletindo consigo mesmo sobre a possibilidade de ventos
inesperados numa tarde tão linda, dentro de uma sala toda fechada. Voltou
trazendo uma vassoura, uma pá de lixo muito limpa e um pequeno balde,
recolhendo todos os cacos, com a certeza de que não era pago para pensar nas
causas dos acontecimentos dentro daquela casa... Feito isso, Maria Eudóxia novamente
tocou a sineta e a copeira, devidamente uniformizada, serviu o chá às
elegantes, nobres e satisfeitas senhoras, que retomaram seus lugares para os
debates culturais, como sempre haviam feito...
PARTE
II
Ao
recolher os cacos do espelho, olhando-o de modo distraído, o criado achou-o
diferente. Não entendia nada dessas coisas de arte, mas aquele espelho tinha um
brilho diferente e ele poderia ganhar algum dinheirinho, vendendo-o para o
comerciante da loja de quinquilharias, do outro lado da cidade. Assim pensando,
partiu para a ação. O dono da loja aceitou a oferta, dando-lhe alguns trocados
em pagamento pela mercadoria, deixando-a no saco em que fora trazida. Pensou
que os cacos de espelho talvez servissem para algum trabalho artesanal daquele
casal de fregueses que se "ligava" em coisas da Nova Era, como eles
mesmos diziam. O comerciante era, realmente, um homem de visão e o negócio de
fato aconteceu. Havia até um pedaço maior do espelho, que resistira ao ataque
das senhoras e que, poderia, com jeito e arte, ser transformado numa peça
bonita. Entusiasmado com o achado, o jovem casal olhou de relance para dentro
do saco e levou toda a sucata para casa.
Com
sua curiosidade feminina, a esposa foi a primeira a mirar-se no caco maior do
espelho, justamente o que ela achou mais bonito, lamentando que tivessem
destruído a valiosa peça. A imagem que surgiu esfriou-lhe o entusiasmo. Sua
boca aparecia distorcida pela raiva que ela mantinha contida; o medo
aparecia-lhe nos olhos, que se mostravam, quando lhe convinha, bastante
dissimuladores, e, além disso, a parte da figura que estava refletida se
afastava dela mesma, repelida por seus sentimentos de auto-rejeição. Tal visão
a deixou transtornada. Que coisa incrível!?...
Quando
o marido chegou, à noite, do trabalho, ela estava muito assustada. Relatando o
caso do misterioso espelho, pediu-lhe que experimentasse olhar-se no caco
maior. Nele, o rapaz viu orgulho e prepotência ocultando o medo que lhe causava
miopia. Medo de não ser bom o bastante, uma vez que, conscientemente, tinha
bons propósitos e, por tudo que já havia lido sobre o assunto, queria realmente
evoluir. Ambos tinham este objetivo, mas ao seu modo de ver, isto não incluía
ter que olhar os próprios defeitos. Preocupavam-se apenas em demonstrar
socialmente que agiam segundo os critérios em que acreditavam.
Depois
de algum tempo de uma tensa e preocupada conversa sobre o assunto, como
acontecera de outras vezes, a jovem e dominadora esposa convenceu o marido dos
riscos de ter tal espelho dentro de casa. Ainda estavam começando a aprender o
esoterismo, não sabiam com o que estavam lidando e quais as conseqüências que
lhes poderiam advir. Eles eram tão gentis com todos e estavam tão empenhados em
evoluir! E se fossem considerados maus?... Certamente seriam rejeitados.
Tamanho medo levou-os a decidirem que o melhor seria desfazerem-se do espelho.
Havia aquele lugar lá na praia: O monturo, onde os mendigos catavam o lixo. Mas
eles não podiam fazer isso. Não seria ecológico jogar lixo na praia. Melhor
seria entregar os indesejados cacos para o primeiro mendigo que passasse, o
qual certamente os levaria para o monturo, dessa forma livrando o casal, da
responsabilidade pelo ocorrido.
Na
manhã seguinte, a jovem esposa, interrompida em seus afazeres domésticos pelo
pedinte habitual, correu prestimosa para entregar-lhe, juntamente com o pedaço
de pão, os cacos do espelho e os restos da moldura, dentro do mesmo saco de
lixo. A princípio pensando tratar-se de utensílios caseiros, o mendigo
decepcionou-se com o insólito presente, decidindo que aquilo não lhe servia
para nada. Ele não gostava mesmo de se olhar em nenhum espelho!... Já, havia
muito tempo, perdera o interesse por sua própria imagem. Decidiu que o melhor
mesmo seria atirá-lo no monturo da praia...
PARTE
III
Zé
Humildades era um simples pescador. Ninguém sabia ao certo de onde ele viera e
o que ele realmente pescava, ali naquela praia. Talvez peixes, talvez almas...
Caminhava
pelas areias, quase sempre sozinho, perdido ou, quem sabe, reencontrando a si
mesmo em suas meditações. Outras vezes, de modo aparentemente casual, poderia
ser visto com algum morador em dificuldades, que procurava consolo nas suas
palavras de "pescador". Ele possuía aquela sabedoria que não costuma freqüentar
os bancos das Universidades. Zé Humildades era catedrático em vida e àqueles
que o buscavam, distribuía a palavra certa no momento certo, convidando à
reflexão conjunta, que na maioria das vezes levava o perguntador a pescar a
resposta dentro de si mesmo.
E
foi numa dessas caminhadas que o pescador encontrou os cacos do espelho.
Estavam jogados no monturo, num canto da praia, que servia de local de despejo
de lixo para aqueles que desconhecem os princípios básicos da preservação da
natureza.
_Essa
gente não aprende mesmo! Disse ele, pensando em voz alta. Sujar uma areia tão
linda, feita por Deus! E ainda mais, podendo alguém se cortar nos cacos!... Que
espelho diferente!... Como ele brilha!!!
E
pensando assim Zé Humildades pegou um caco e se olhou. O espelho mágico
devolveu-lhe o reflexo luminoso de uma parte do seu rosto. O pescador gostou do
que viu e, pensando em ver mais, pegou outro caco e juntou-o ao primeiro. Num
passe de mágica, os dois pedaços se uniram e a emenda sumiu. Intrigado com o
fenômeno, ele começou a unir os cacos do espelho, como se estivesse montando um
quebra-cabeças. Quebra-cabeças mágico, que refletia a grandeza do seu caráter,
os seus bons sentimentos, a sinceridade de seus propósitos. Zé Humildades se
tornara transparente e, quanto mais montava o espelho, mais este intensificava
o seu brilho, refletindo a luminosidade interna do pescador. Encontrando os
pedaços da velha moldura entalhada, Zé Humildades levou tudo para a sua cabana.
Pacientemente, recompôs a madeira em volta do espelho, reconstituindo sua
pintura com tinta marinha. Assim, ela suporta melhor às marés da vida! Pensou
ele:_ Um espelho tão bonito, sem moldura, está sujeito a muitos riscos e pode
logo se quebrar!
Terminada
a tarefa, Zé Humildades colocou o espelho mágico, agora restaurado, em sua
"sala de visitas", num canto entre a cama e o fogão, onde uma velha
mesa de madeira resinada resistia ao tempo, servindo de apoio aos bate-papos
filosóficos, entre goles de café quente, coado na hora, em acolhimento daqueles
que o procuravam para suas reflexões sobre a vida.
Interessante
que aquela peça tão trabalhada, tão rica e tradicional não contrastava com o
ambiente simples daquela choupana. Mirando-se nele, agora por inteiro, Zé
Humildades viu, refletida no espelho, a figura de um sábio, com sua túnica de
um azul puríssimo, sentado em farta mesa, numa sala que denotava o bom gosto e
a beleza de lugares distantes no espaço...
Vendo
aquela imagem, o pescador sorriu silencioso. O espelho havia posto o seu
segredo a descoberto. Ainda silencioso, pegou cuidadosamente a sua preciosidade
(que lhe seria extremamente útil para verificar se estava desempenhando sua
tarefa a contento; a sua pescaria de almas...), enquanto ouvia dentro de si o
espelho, dizendo-lhe: _É, José! Somente você, em toda esta cidade, poderia
ter-me reconstituído, com sua beleza interior; com esta sua capacidade de amar,
de forma incondicional, única força capaz de resgatar a inteireza!... Mas
ninguém precisa saber disso, não é?... Respondendo que sim para dentro de si, o
pescador envolveu o espelho num tecido rústico, colocando-o numa velha arca de
navio que o acompanhara em muitas viagens, e retornou às suas atividades
rotineiras...
PARTE
IV
Muito
tempo se passou desde então. O pescador, a choupana e o espelho se foram... A
praia agora tem o céu recortado pelos espigões de concreto e suas areias mal
aparecem, quando cobertas pelos corpos ardidos dos veranistas, expostos, pela
desrespeitada natureza, aos raios tórridos e implacáveis do sol. Nos bares
locais, moradores mais antigos contam que, segundo uma lenda daquela cidade
praiana, em noite de lua cheia, quando tudo está mais tranqüilo e alguém
passeia pelas areias desertas, dispondo-se a se conhecer profundamente, costuma
ver surgir em seu caminho, um sábio com um espelho, que o ajuda a se conhecer
melhor, em seus momentos de solidão e reflexão interior...
Sueli Meirelles _ Especialista em Psicologia Clínica (Hipnose Ericksoniana, Regressão de Memória, Reprogramação Mental)
Site: www.institutoviraser.com
Email: suelimeirelles@gmail.com
Whtasapp: 55 22 99955-7166