A
Línguagem é, para o ser humano, um instrumento vivo e dinâmico de representação
do mundo e das experiências nele vividas. Nada existe que não tenha um nome
para sua designação, fazendo com que nossa linguagem determine a visão que
temos do mundo e de tudo que ocorre a nossa volta. Neste sentido, os
significados que atribuímos a determinadas palavras, constituem o conjunto de
crenças que direcionam nossas vidas e determinam nossas ações concretas diante
de cada situação vivenciada. Além disso, o conjunto de palavras definidas no
dicionário de qualquer língua tem valor de lei, por representar um consenso
nacional sobre os significados atribuídos a determinados vocábulos, os quais
servem de base para a compreensão das leis jurídicas instituídas neste mesmo
país. Quando paramos para analisar mais profundamente palavras que fazem parte
do nosso cotidiano, deparamo-nos, às vezes, com surpreendentes descobertas Numa
destas freqüentes incursões pelas páginas dos dicionários, e pelas leis
instituídas sobre termos específicos, encontramos alguns aspectos muito
interessantes com relação aos termos salário e renda, que
passamos aqui a questionar, até por se tratar de um assunto pertinente a todos
nós brasileiros:
O termo salário tem origem
nos tempos épicos do Império Romano, quando os soldados eram pagos com sal,
estabelecendo-se, desde então, uma relação intrínseca entre salário e sustento
da vida. No Brasil, quando instituído, em 1º de Maio de 1940, através do
Decreto -lei 2.162, pelo Presidente Getúlio Vargas, em seu artigo 1º, o
salário-mínimo destinava-se à satisfação das “necessidades normais de
alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte”,
caracterizando, mais uma vez, a destinação do salário à manutenção das necessidades
de vida do trabalhador.
Por
sua vez, no Dicionário Etimológico Nova Fronteira (pág.675) o termo renda
está assim definido: “resultado financeiro de aplicação de capitais ou
economias, ou de locação ou arrendamento de bens patrimoniais”. Por esta
definição depreende-se que renda e salário não são sinônimos lingüísticos, já
que renda é o rendimento obtido com a aplicação de economias constituídas pelas
sobras de salário. Se renda não é o mesmo que salário, por que o
chamado Imposto de Renda tem incidência sobre o valor bruto dos vencimentos do
trabalhador? Por que o imposto de renda, ao invés de incidir apenas sobre os
lucros financeiros obtidos através das diferentes formas de aplicação das
sobras salariais, retira, na fonte de recebimento salarial, um percentual dos
recursos destinados à alimentação, habitação, vestuário, higiene e
transporte do trabalhador? Em que momento da trajetória legislativa esta
distorção lingüística ocorreu? Será que um trabalhador, já considerado de
classe média, que ganhe em torno de R$2.000,00, sobre cujo salário incide o
desconto de imposto retido na fonte, supriu todas “as necessidades
normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte, para si
mesmo e para sua família?” Ou será que ele está sendo obrigado a
repassar para o Estado, recursos que ainda seriam necessários para o sustento e
para a melhoria da qualidade de vida de seus familiares?
A
partir da definição lingüística dos termos salário e renda,
entende-se que o trabalhador citado no exemplo acima, somente deveria pagar
imposto caso aplicasse as sobras do seu salário no mercado financeiro ou
locação, ou ainda arrendamento de bens patrimoniais, passando a usufruir de
lucros desvinculados de qualquer atividade laborativa. O que nos parece
bem definir o termo renda é o fato de que, aquele que vive de rendas,
não necessita trabalhar, mas usufrui lucros originários de outras fontes.
Talvez
alguns leitores estejam se perguntando por que, um tema tão específico de
Direito e Economia está sendo abordado por uma Psicóloga. Os Psicólogos são
agentes de transformações sociais e a eles, cabe justamente questionar o status
qüo da sociedade, naqueles aspectos relacionados com os condicionamentos aos
quais somos submetidos, sem percebermos a quem eles podem favorecer. Além
disso, este é um assunto de interesse de todos os brasileiros que ao final de
cada ano fiscal, fazem malabarismos financeiros, muitas vezes prejudicando a
qualidade de vida e o sustento de sua família, para não se transformarem em
sonegadores fora da lei.
Como
este, entretanto, não é um assunto específico de minha competência
profissional, deixo aqui uma indagação aos Advogados, Promotores e Juízes,
defensores da Justiça e da Sociedade, aos quais cabe pesquisar: Salário é
renda?
Sueli Meirelles: Especialista em Psicologia Clínica e Consultora em Abordagem
Transdisciplinar nas Áreas de Desenvolvimento Humano, Saúde Integral,
Ecologia Integral e Educação para a Paz, há 30 anos.
Site: www.suelimeirelles.com
Email: suelimeirelles@gmail.com
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