Geralmente
os adultos acreditam que as crianças não se lembram ou não entendem a maior
parte das coisas que ocorrem ao seu redor. Isto os leva a dar pouca ou nenhuma
importância às interpretações que as crianças possam dar aos acontecimentos.
Trabalhando com regressão de
memória, observamos justamente o contrário. Se é verdade que a memória
consciente surge a partir do terceiro ano de vida, a memória inconsciente
registra tudo o que ocorre desde a fase da concepção e muito além... Por
esse motivo, muitos distúrbios de comportamento, depressões, medos, fobias e
até mesmo síndromes de pânico podem ter origens na fase da primeira infância
(de 0 a 7 anos), quando a estrutura de personalidade está sendo formada. Neste
importante processo, a função do adulto seria atuar como um cicerone para o
imigrante que chega ao planeta, com o objetivo de viver sua experiência de
aperfeiçoamento. Como, em sua maioria, os adultos desconhecem esta função, agem
sem nenhuma consciência das futuras conseqüências, geradas pela maneira como
lidam com as crianças. Comumente observamos adultos incutindo todo tipo de medo
às crianças, com o único intuito de conseguir-lhes a obediência. Orientar a
criança com relação aos limites do que lhe é permitido ou não, explicando-lhes
os motivos do impedimento, ajuda-a a desenvolver a capacidade avaliativa
necessária para a construção de um código de comportamento, em termos de certo
e errado. Dizer simplesmente para a criança: _”Não vá para a escada porque o
bicho vai lhe pegar”, é uma proposição, no mínimo, desrespeitosa para com um
ser humano em formação, pois a criança acredita fielmente em tudo o que os
adultos lhes dizem. Além disso, perde-se a oportunidade de orientar a criança
sobre os possíveis riscos ao brincar numa escada, o que seria útil que ela
aprendesse. Nestas situações observamos ainda, que os adultos, muitas vezes,
estão simplesmente reproduzindo comportamentos que foram utilizados com eles
mesmos, na infância, num ciclo infindável de repetições inúteis e perniciosas,
que se perdem na sucessão das gerações. Se quisermos eliminar esta triste fonte
geradora de tantos conflitos psicológicos, faz-se urgente que se reavalie a
função do adulto como educador e formador da personalidade de um novo ser
humano. Se utilizarmos um critério de honestidade para com as crianças,
orientando-as quanto aos riscos reais da vida e sobre a melhor maneira de
enfrentá-los, estaremos desenvolvendo-lhes
a autonomia necessária para que se tornem adultos conscientes.
Neste
sentido, tudo aquilo que não seja verdadeiro ou que represente uma distorção da
realidade deve ser evitado no relacionamento com as crianças: usar palavras com
pronúncia errada (para depois ter o trabalho de corrigí-las) ou incutir na
criança medo de escuro, temporal, ladrão, fantasmas, bichos “velhos que pegam”
etc, numa idade em que a criança acredita em tudo que lhe é dito, pois ainda
não tem uma capacidade avaliativa para compreender que adultos mentem, é fator
gerador de neurose. Se realmente queremos uma sociedade melhor, precisamos começar
pela reformulação da nossa maneira de lidar com aqueles que constituirão o
mundo de amanhã; precisamos fazer uma séria reflexão sobre a visão de mundo que
estamos transmitindo e, sobretudo, qual a utilidade
dos comportamentos que temos com as crianças, pois a maioria dos medos infantis
têm origem no comportamento aprendido com os adultos.
Sueli Meirelles: Professora, Pesquisadora e
Especialista em Psicologia Clínica. Consultora em Desenvolvimento Humano, Saúde
Integral, Ecologia Integral e Educação para a Paz. Escritora e Palestrante.
Site: www.suelimeirelles.com.
Whatsapp: 55 22 999.557.166
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